domingo, 6 de fevereiro de 2011

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE AFRICANA E OS LÍDERES MAIS REPRESENTATIVOS DESTE PROCESSO

Por: Emílio Jovando

O Panafricanismo, concebido no final do século passado e o movimento da Negritude no séc. XX, enquanto conceitos político-culturais globais de exaltação da personalidade africana e pleito pela causa do homem negro tiveram, no mundo pós segunda guerra mundial, grande repercussão por toda a África, pois foram os rastilhos que incendiaram a consciência dos nacionalismos africanos. Neles, cultura e revolta estiveram estreitamente associados e o seu sucesso foi tanto maior quanto os seus arautos possuíam a cultura e a língua do colonizador e as utilizaram como armas contra o próprio colonizador.

África é um imenso continente e possui uma enorme heterrogeniedade étnica, pelo que é preciso evitar generalizações tanto na avaliação dos problemas como ao sugerir soluções. África possui uma rica variedade de valores culturais e de estimável qualidade humana que pode favorecer a humanidade inteira. Os Bispos Católicos Africanos, no Sínodo dos Bispos Africanos apontam os seguintes valores positivos africanos: o sentido do sagrado e do espiritual, o valor da família, o respeito e amor pela vida e pelos antepassados, a rejeição da ideia de aniquilar a vida, a solidariedade, a vida comunitária e a herança tradicional que privilegia o colectivo, em vez do individualismo, (João Paulo II, 1995:47).

Durante muito tempo, o continente africano foi visto como uma sociedade sem história, sem cultura, sem civilização. Na sua obra “Filosofia da História” (1830), Hegel declara que África não é parte da história do mundo, não tem movimentos nem progressos históricos próprios dela, porque nela não houve a manifestação do Espírito Absoluto. Em 1957, Padre Gaxott escreveu: estes povos, referindo-se aos povos africanos, nada deram à Humanidade.

Hantington (1993:22), no seu artigo “The Clash of Civilizations?”, ao dizer que o mundo pós guerra-fria será multipolar e multicivilizacional onde os blocos de países serão reunidos segundo a identidade cultural e a partir da interacção de sete ou oito civilizações: ocidental, confuciana, japonesa, islâmica, hindu, eslavo-hortodoxa, latino-americana, e, possivelmente africana. Esta visão do autor mostra um certo cepticismo e põe em causa a existência de uma civilização africana.

Ao olharmos para as bases da axiologia africana, verificamos que estão assentes no desenvolvimento espiritual e metafísico e não material, como o Mundo Ocidental; estamos perante um desenvolvimento espiritual da vida, da acção, da intuição, da vontade, do ser e dos valores, apelando para actividade espiritual não redutíveis à razão e a elas atribuindo um alcance metafísico, isto é, a capacidade de colher as profundezas e a essência da vida e do real, ideias também defendidas por Espiritualistas Ocidentais como Maurice Blondel, Henri Bergson, Félix Ravisson, Charles Renouvoir, Jules Lachelier, Emile Bouttroux e os Neotomistas.

Nos nossos dias, o continente está sendo influenciado pelo processo da globalização e regionalização, ocidentalização e está experimentando a modernização, democratização e inserção internacional, que duma ou doutra forma põe, em causa a sua identidade, não obstante que África ainda ocupa um lugar marginal nas relações internacionais e ainda é ofuscada devido ao egoísmo e ambição de uns e erros de outros.

Quando olhamos para matriz conceptual e axiológica da realidade africana, vemos que ela esteve sempre assente na teleologia, deontologia e escatologia, buscando uma saída para um lugar no seio da ordem internacional, com uma identidade política, económica, cultural e religiosa própria. África é uma das regiões do mundo que, historicamente, mais esteve próxima às tentações de interpretações apaixonadas acerca das relações entre passado e futuro.

Escrutinada sob as ópticas da teleologia, da deontologia e da escatologia, às vezes simultaneamente, o continente africano segue sendo um lugar para o teste da razão crítica contra o monumento de preconceitos que foram erigidos pela fraca ciência e pela opinião desinformada. Sendo assim, urge questionar: como construir uma identidade africana se é que ela ainda não está construída? Como consolidar a identidade africana construída ao longo do tempo pelos líderes africanos? Qual deve ser a posição do africano, na construção da sua identidade, tendo em conta o fenómeno da globalização: recour á noutre authentité or retour á noutre authentité?

O continente africano limita-se ao norte pelo Mar Mediterrâneo, ao oeste pelo Oceano Atlântico e ao leste pelo Oceano Índico. De uma maneira simplista, podemos dividir em duas zonas absolutamente distintas: centro-norte que é dominado pelo imenso deserto de Sahara (8.600.000 Km2), enquanto que o centro-sul, depois de percorrer savanas, é ocupado pela floresta tropical africana.

Esta separação geográfica também reflectiu-se numa separação racial. No norte do continente habitam os árabes, berberes e os tuaregues, sendo esses dois últimos os que praticam o comércio transahariano. No centro-sul, habitam mais de 800 etnias negras africanas. Esta diversidade étnica leva-nos a afirmar com Paulo VI (1967:6) na sua Mensagem apostólica Africae Terrarum, citada por João Paulo II (2000) na sua Exortação Pós Sinodal Sobre a Igreja em África, que África é um continente imenso e com situações muito diversas, onde é preciso evitar generalizações na avaliação de problemas assim como ao sugerir soluções.

Em África, não só há uma necessidade de uma identidade africana, mas também uma nova procura de Estado, uma vez que no continente, os Estados não nasceram da dinâmica interna, mas sim foram importados, ready made, pelas potências colonizadoras.

Após muitos anos de independência de vários Estados africanos, a identidade individual, o cidadão, a identidade colectiva e o Estado são dois elementos importantes que devem existir antes de falar de uma identidade africana na escala continental e são elementos indispensáveis para a resolução de conflitos. É o que está a acontecer no Sudão, onde apesar dos acordos assinados, não se consegue construir a paz no Darfur, porque não existe um sentido de identidade nacional nem um sentido de identidade comum em as partes conflituantes.

Na Conferência Internacional sobre Cursed by Riches: Resourses and Conflicts in Africa realizada em Nairobi (2007) decidiu-se que para criar uma identidade africana ou qualquer que seja, não há uma receita fácil, mas o caminho parece estar na mobilização da sociedade, os meios de informação para a consciencialização da necessidade da edificação de uma identidade africana autóctone. Mas o continente ainda carece de verdadeiros líderes como os que idealizara a libertação do continente, ou melhor, há um exemplo extraordinário, como Nelson Mandela, depois há um vazio enorme, (Sesana, 2008:42-43).

A falta de uma identidade africana consolidada, a fraqueza das instituições e a falta de uma liderança interessada no assunto fragilizam o continente quando posto a prova com o fenómeno da globalização, crescente interdependência e outros elementos identitários de outras culturas que põem em causa a identidade africana. Se não se mudar a dinâmica e o comportamento africano face a estes fenómenos, pensar que África possa um dia erguer-se das sequelas do passado colonial será sempre uma utopia.

Um dos líderes africanos perguntou: o que é ser africano? Mas para sabermos que nós somos, é importante perguntar: de onde viemos, onde estamos e para onde vamos? Essas três perguntas nos remetem a uma reflexão existencialista, que, por sua vez, nos remete as três dimensões do tempo: passado, presente e futuro.

África, sendo um continente imenso continente, possui uma heterogeneidade étnica enorme, mas esta heterogeneidade dever ser vista como sendo uma rica variedade de valores culturais e deve ser vista como uma estimável qualidade humana que pode favorecer o progresso da humanidade inteira. O importante é ter a capacidade de manter um diálogo entre os diferentes seguimentos identitários dos diferentes países africanos.

Os valores positivos africanos como é o caso do sentido do sagrado e do espiritual, o valor da família, o respeito e amor pela vida e pelos antepassados, a rejeição da ideia de aniquilar a vida, a solidariedade, a vida comunitária e a herança tradicional que privilegia o colectivo, em vez do individualismo, devem ser o móbil para a construção da identidade africana. A ideia de que o continente africano é uma área sem história, sem cultura, sem civilização e que os povos africanos nada deram à Humanidade é falaciosa. A compreensão da identidade africana não é tarefa fácil, porque o continente africano é fragmentado em inúmeras etnias que ainda não se encontram uma paz e harmonia social efectiva.

O colonialismo influenciou negativamente na identidade africana, porque criou um complexo de inferioridade que se instalou na cultura africana e em contra partida postulava a valorização dos hábitos e costumes europeus, como sinal de progresso e igualdade. Mas, o Panafricanismo, a Negritude e outros elementos constituíram um grupo de factores internos e externos contribuíram para a ideia da necessidade de formação da consciência de uma identidade africana no período colonial e depois das independências africanas. O Panafricanismo e a Negritude foram o ideal em torno do qual a identidade africana foi forjada, no período da transição do colonialismo para as independências. Foi uma construção necessária para gerar o orgulho da raça negra, criando autonomia e liberdade continental.

Com a globalização e constante contacto entre as culturas, os vários desafios apresentados à identidades africana devem ser enfrentados recorrendo aos valores centrais da identidade africana. Neste processo, tendo em conta a heterogeneidade étnica do continente africano e as influências das outras culturas e civilizações, é imperioso que os africanos sejam eles mesmo, sendo outros, ou seja, que sejam eles mesmos, não obstante que tenham elementos culturais e identitários de outras culturas.

REFERÊNCIAS

1. Huntington, Samuel (1993), The Clash of Civilization, Foreign Affairs, Vol. 72, N˚3.

2. João Paulo II (1995), Igreja em África: Exortação Pós-Sinodal Sobre a Igreja em África e a Sua Missão Envangelizadora Rumo ao Ano 2000, Vaticano.

3. L’Observatore Roamano (1994), Relatio Ante Disceptationem, N˚ 4, Abril, Vaticano, Roma.

4. Fanon, Frantz (1961), Os condenados da terra, Edições Ulisseia, Lisboa.

5. Sesana, Renato Kizito (2008) Recursos e Conflitos, Revista Missionária Além-Mar, Nº566, Ano LI, Janeiro, Lisboa.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

DEBATE INTERPARADIGMÁTICO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

REALISMO

Nos anos 1970, o realismo sofreu várias críticas principalmente, quanto ao fato de não dar importância suficiente à economia, de não aceitar a interacção entre o espaço doméstico e o espaço internacional, e por não aceitar outros actores, fora o estado, nas relações internacionais. Kenneth Waltz conseguiu responder a essas críticas, criando o neorealismo ao retomar o pensamento estrutural (utiliza um conceito de esquerda da época para defender um pensamento da direita), adaptando-o ao contexto das relações internacionais.

Este autor não aceitava reduzir o sistema à soma das unidades e, pelo fato de Waltz querer fazer uma teoria de relações internacionais atemporal, ele não fala de estados mas sim, fala de unidades. Para os realistas, o actor nas relações internacionais seria o estado unitário e racional que age com base num cálculo custo-benefício.

O autor realista em questão faz uma análise estrutural, baseando-se em três elementos para definir esse sistema: a organização das unidades; a distribuição das funções das unidades; e a distribuição das capacidades das unidades. Quanto à organização do sistema, podemos distinguir entre hierárquica e anárquica. A primeira existe quando um cento manda o que deve ser obedecido e tem monopólio do uso legítimo da força. A segunda ocorre quando nenhuma parte tem o monopólio legítimo do uso da força, como ocorre nas relações internacionais. Quanto a funções das unidades, o autor percebe que no nível internacional não existe divisão do trabalho, pois cada estado deve garantir sozinho sua segurança (sistema de auto-ajuda). Desta forma, todas as unidades são similares quanto à função, todas devem garantir sua segurança sozinha. Quanto à distribuição das capacidades, ela pode ser bipolar ou multipolar. Ao passo que as capacidades são atributos do estado, a distribuição das capacidades é um atributo do sistema.

Segundo a teoria neorealista de Waltz, existiriam dois mecanismos para a perpetuação do sistema internacional. Um deles seria a socialização, onde os estados seriam enquadrados dentro de certas formas e o sistema se encarregaria de deixar todos os actores agindo de forma similar. O outro mecanismo seria o da competição. Neste caso, as unidades imitariam o comportamento das unidades que obtêm sucesso.

Waltz criou o neorealismo, dizendo que na política internacional é preciso enfatizar a área política e que o autor mais importante é o estado. Assim, este autor realista aplica sua teoria a assuntos da economia internacional, mostrando que é o interesse nacional que prevalece, pois o estado é o ator central nas relações internacionais.

LIBERALISMO/PLURALISMO

Entretanto, autores liberais, como Robert Keohane, criticam a posição Waltz, afirmando que existem outros actores além dos estados, e que a economia tem um papel fundamental nas relações internacionais. Negam assim, os liberais, a divisão de alta política e baixa política feita pelos realistas. Esta outra teoria ainda afirma que existe um pluralismo doméstico, e desse pluralismo nasce o interesse nacional. Com isso, não se pode falar de interesse nacional e de política internacional sem falar de política doméstica, conectando assim o espaço doméstico e o espaço internacional.

Em um texto recente este autor liberal, Keohane, discute a relevância do papel dos estados nas relações internacionais e como a interdependência é afectada pelas questões de poder. Para este autor, a interdependência deixa apenas duas saídas para os estados: se fechar totalmente ou se internacionalizar através de instituições internacionais. A interdependência seria uma forma de dependência mútua (onde A depende de B em uma área e B depende de A em outra) e complexa (pois envolvem vários actores dependentes um do outro, multilateralmente e não só bilateralmente). Existiria também uma harmonia natural, onde a cooperação entre actores seria uma necessidade pois, como cada unidade não consegue produzir todos os produtos sozinha, precisaria da ajuda das demais. A interdependência traria benefícios e custos, entretanto, os custos das relações não são igualmente distribuídos entre os participantes, pois o país mais poderoso transfere seus custos para os mais fracos e desta forma a interdependência seria também assimétrica. Com isso, a interdependência não afectaria a soberania (capacidade do estado em ser a autoridade suprema dentro seu território), mas afectaria a autonomia (possibilidade de agir de um modo ou de outro) dos estados.

As características principais da interdependência complexa e assimétrica seriam:

1- Existência de canais múltiplos de interacção, trazendo a noção de diferentes tipos de actores para as relações internacionais.

2- Existiria uma diversidade de temas onde nenhum assunto seria dominante nas relações internacionais.

3- Inoperacionalidade da opção militar.

E as consequências da teoria liberal de interdependência seriam:

1- Não existe distinção entre o nível doméstico e o nível internacional, criando assim diferentes actores e diferentes respostas para as acções dos estados.

2- Não existe hierarquia das prioridades ou dos assuntos, pois cada estado possui sua agenda própria que prioriza assuntos diferentes.

3- A opção militar não é mais válida para certas situações, abrindo espaço para outros tipos de poder. Os estados não conseguiriam pressionar militarmente outros mais fracos em assuntos diferentes, como o económico.

Para os liberais, as organizações internacionais teriam um papel fundamental nas relações internacionais e para a interdependência complexa, pois são as instâncias onde os países podem formar coalizões e alterar a relação de poder.

NEOREALISMO

Com as críticas liberais dentro deste debate teórico, a teoria realista foi reformulada, principalmente com os trabalhos de Kenneth Waltz, surgindo desta forma, a teoria neorealista. Com isso, o neorealismo fez algumas concessões ao liberalismo, retirando de sua análise a ênfase nos estados e transferindo-a para o sistema. Todos os outros actores só podem agir no sistema internacional se for através do estado, portanto este tem um papel central nas relações internacionais.

Em relação à crítica liberal de que a economia tem um papel fundamental para as relações internacionais, alguns neorealistas afirmam que este papel pode até existir, porém se manifesta através da política e outros neorealistas afirmam que os instrumentos da análise realista se aplicam também aos assuntos económicos. Desta forma, a economia só é importante do ponto de vista político.

Quanto à crítica liberal de que existe relação entre o âmbito doméstico e internacional, os neorealistas continuam afirmando que, apesar das relações domésticas existirem, elas são irrelevantes para o estudo das relações internacionais.

NEOLIBERALISMO:

Nos anos 80, após a reformulação do realismo em neorealismo, o liberalismo também sofreu alterações. No neo-institucionalismo liberal de Keohane, existe uma valorização dos assuntos económicos e assim criam-se as condições necessárias, entre outras, para o surgimento da Economia Política Internacional.

Nesta fusão entre a economia e a política existem duas correntes com visões diferentes: a primeira entende a economia política internacional como uma forma de utilizar instrumentos económicos (estatística, matemática, matrizes, equações, entre outros) para fazer análises políticas. E o segundo entendimento da escola de economia política internacional seria entender a política da economia, ou seja, como interesses económicos se articulam através da política.

Economia Política Internacional e o Debate entre Neorealistas e Neoliberais

Essa nova área de estudo foi criada nos anos 70, como reacção ao crescimento da economia como um assunto importante nas relações internacionais. Os estudiosos desta área negam a separação da política doméstica com a política internacional, negam também a supremacia da política sobre economia e que o estado seja o único actor importante nas relações internacionais.

Os realistas, por outro lado, separavam a política da economia, e mesmo com novos actores, como as organizações internacionais, eles mantiveram esta posição, pois afirmavam que todos esses actores novos actuavam através do estado, que continuava sendo o foco de acção. A nação representaria a legitimidade para agir.

Desta forma, entre os anos 70 e 80, a EPI surge como uma escola que oscila entre o neorealismo e o neoliberalismo. Essa oscilação entre as duas teorias ocorre, porque os estudos do estado e da economia em separado empobrecem a área das Relações Internacionais. Uma adequada compreensão do sistema internacional deve enfocar a economia (mercado), o estado (política) e a interacção entre eles. Muitos autores definem o estado e o mercado como tipos polares, onde o estado busca sempre a segurança e o mercado busca o lucro e competição (eficiência). E a lógica do estado seria a hierarquia ao passo que a lógica do mercado seria a concorrência. Esses dois pólos, desta forma, configuram tipos ideais e assim não existiria estado puro ou mercado puro. Existiria em toda vida social somente uma mistura desses dois elementos, caracterizando a interacção entre eles em diferentes graus.

Entretanto, foram feitas novas críticas, dizendo que os neorealistas privilegiavam o papel do estado na economia política internacional e que existem vários actores com papéis importantes que não eram levados em conta. Essas novas críticas afirmavam também que os liberais haviam feito, com a economia política internacional, concessões de mais para os realistas e isto enfraquecia a própria análise económica política internacional. E, portanto, os liberais deveriam voltar a sua origem. Queriam trazer a economia como objecto e instrumento de análise para economia política internacional, observando novos actores económicos.

Uma outra crítica foi feita por Susan Strange devido à concentração demasiada dos estados como objecto de estudo e ela enfatizava, não os papéis das empresas multinacionais, e, sim, um papel social. Essas críticas perceberam o importante papel das organizações internacionais e da institucionalização do sistema internacional e, por isso, queriam tirar o estado como foco de acção e colocar em seu lugar os estudos da economia política internacional com os novos actores (anos 1980 e 90). As críticas eram feitas em relação aos tipos de actores que participam e que elaboram a economia política internacional.

Susan Strange ainda afirma existir uma grande confusão quanto à natureza da EPI. Segundo o dicionário Oxford, teoria é definida como: uma suposição que explica algo, especialmente uma baseada em princípios independentes do fenómeno que se pretende explicar.

Esta autora, em seu livro “States and Markets”, mostra alguns argumentos contra e a favor da EPI como uma teoria. Entre os argumentos negativos podemos destacar alguns:

1. Muitas teorias sociais são, na verdade, nada mais do que simples descrições que usam novos termos e palavras para explicar conhecidos fenómenos. Apenas enumerar eventos atrás de eventos, sem explicar a conexão causal entre eles não configura uma teoria.

2. Algumas das chamadas teorias nos estudos internacionais somente reorganizam e descrevem categorias de fatos conhecidas ou criam novas classificações. A classificação por si só não constitui uma explicação e por isso não se qualifica como teoria.

3. Os instrumentos ou conceitos simplificadores emprestados de outros campos do conhecimento ou de outra ciência social podem ter usos pedagógicos no ensino. Alguns exemplos seriam: o dilema do prisioneiro, a curva de demanda ou um gráfico de representação do conceito de utilidade marginal. Mas nenhuns destes explicam, por si só, os paradoxos do sistema internacional, pois são apenas instrumentos simplificadores e não teorias do comportamento social. Apesar de seu apelo aos estudantes pelo fato de serem simples, eles só confirmam o que o senso comum diz, ou seja, que os indivíduos tendem a agir egoisticamente.

4. Os desenvolvimentos de muitas técnicas aplicadas nos estudos internacionais não avançaram como uma teoria. A escolha do que é levado em consideração é muito arbitrária e a determinação do que é causal e do que é a coincidências é muito subjectiva para providenciar uma base de explicação.

Entre os argumentos que defendem a EPI como uma teoria, podemos destacar:

1. Uma teoria deve procurar explicar alguns aspectos do sistema internacional que não são facilmente explicados pelo senso comum, pois não existe uma razão aparente. Alguns exemplos desses paradoxos seriam: por que os estados-nações continuam recorrendo à guerra quando já foi provado que os ganhos económicos feitos nela nunca excedem o seu custo económico? Por que os estados não regulam e estabilizam o sistema internacional financeiro se isto é comprovadamente vital para a economia? O senso comum não consegue explicar essas questões, mas uma teoria sim.

2. Uma teoria não necessariamente precisa aspirar por fazer previsões. Este é o ponto principal para diferenciar a ciência social da ciência natural. As ciências naturais podem fazer previsões ao passo que as ciências sociais nunca podem fazê-las com segurança, pois neste caso estão envolvidos inúmeros factores irracionais nas relações humanas. A teoria social que melhor pode fazer previsões é a economia e mesmo esta não é boa para fazer previsões sobre a economia mundial.

3. Uma teoria deve ser científica somente no sentido em que o teórico deve respeitar as virtudes da racionalidade e da imparcialidade e procurar ter a mesma formulação sistémica das proposições explicativas. Muitos dos problemas referentes às ciências sociais vem do complexo de inferioridade dos cientistas sociais em relação aos cientistas naturais, e especialmente do complexo de inferioridade dos economistas políticos em relação ao aparente rigor da ciência económica.

Podemos perceber que existe ainda muito debate em relação ao estudo da economia política. Analisando os argumentos a favor e contra a EPI como uma teoria, considero que os argumentos a favor são mais convincentes. Os argumentos contra utilizam apenas como foco a análise económica, por exemplo, para explicar o aparente paradoxo dos estados guerrearem entre si apesar de ser economicamente desfavorável. Fica evidente que o foco político não é analisado[1] e isso seria até compreensível para um estudo apenas econômico, porém é inaceitável para um estudo da economia política internacional. Desta forma, concluo que a Economia Política Internacional não configura uma teoria por si só e nem faz parte de algum paradigma preciso, mas, em minha opinião, ela é sim uma escola de pensamento que oscila entre a teoria realista e a teoria liberal (como ficou comprovado na primeira parte desta análise).

Como resposta ao neorealismo, os liberais também fazem concessões, criando o neoliberalismo. Desta forma, o argumento liberal não é mais que existem muitos atores nas relações internacionais e sim que o estado é o ator principal, porém também existem outros novos atores em novas áreas.

Mesmo com essas transformações e o surgimento do estudo da Economia Política Internacional, o debate entre neorealistas e neoliberais continua. Para Waltz, o objetivo principal dos estados é garantir a sobrevivência, até na política internacional. Para os liberais, em um mundo onde o homem é o lobo do homem, a sobrevivência seria o principal foco, mas no âmbito econômico não é assim: se um país perde uma guerra comercial, isto não implica no seu desaparecimento. Desta forma, para estes, a sobrevivência não é essencial nas relações políticas econômicas, pois não se trata de um jogo de soma zero.

Surge uma nova definição de qual seria o jogo, segundo os liberais: neste jogo as comunicações são possíveis pelo fato de ser um jogo repetitivo e o aprendizado ser cumulativo (a história é importante) dando uma previsibilidade nas interações entre os estados e gerando uma cooperação. Entretanto, para os realistas, cada interação é analisada de forma independente e, portanto, não há previsibilidade. Porém para os liberais, são criadas as instituições internacionais que servirão como um espaço de interação, não necessariamente de cooperação. Neste espaço haverá uma memória do passado que é importante para o futuro. Além disso, essas organizações internacionais criariam regras que todos deveriam seguir, estabelecendo um padrão de relacionamento e revelando que as interações entre estados não são totalmente anárquicas como os realistas afirmam. A anarquia é a ausência total de regras de jogo; então, para os neoliberais, as instituições vão diminuir a intensidade na anarquia. Os realistas olhariam assim para uma foto parcial do mundo, analisando só o lado político, mas os liberais permitem ver o mundo na sua integridade, pois incluem em sua análise o lado económico também.

Para os liberais, a cooperação seria possível, pois existe uma multiplicidade de actores e de interacções (o mundo não pode ser visto apenas como uma interacção entre A e B). A participação é feita com base em mecanismos de confiança mútua e em um cálculo de custo-benefício segundo uma perspectiva histórica. Existe uma análise mais complexa e que se concentra nos regimes. Segundo a definição mais ampla e difundida nas relações internacionais, regimes seriam os princípios, normas, regras e processos de tomada decisão sobre um assunto particular. Cada regime lida com um assunto particular, e por isso existiriam vários tipos de regimes e cada um com suas próprias normas, regras, princípios e processos de tomada de decisão.

Os elementos principais do regime são: a)os princípios, elementos mais gerais que organizam o objectivo do regime; b)as normas, elementos mais específicos que definem as orientações do regime; c)as regras que definem os deveres, obrigações e direitos de cada parte do regime; d)os processos de tomadas de decisão que são as formas pelas quais os membros se posicionam. Todos os regimes devem ter esses quatro elementos e eles são mais completos que meras instituições, pois tem um objectivo normativo e existe um interesse colectivo comum a todos os actores que pode se expressar de forma colectiva. Os liberais concebem o regime como um instrumento de aumento da cooperação.

A pergunta que separa, neste momento do debate, os realistas e os liberais é quem vai participar do regime? Para os liberais, o estado aceita participar, entrando no regime quando percebe que terá ganhos absolutos. Já os realistas dizem que o estado mais forte tem a capacidade de obrigar outros países a participar dos regimes, mostrando uma noção nítida de poder. Para os liberais, segundo a concepção de múltiplas interacções complexas, em um longo prazo a possibilidade de interagir é sempre benéfica. Existem elementos fundamentais para que a interacção seja possível, dando uma previsibilidade para essas múltiplas interacções. O primeiro elemento é o tempo (elemento este que não existe para os realistas) segundo o qual um estado sabe se outro cooperou anteriormente; existe também o elemento de hoje, onde o estado dando benefício da dúvida, coopera hoje para voltar a interagir amanhã e, se não cooperar hoje, outros não vão querer interagir com ele amanhã; e, por fim, existe o elemento da memória, também conhecido como “sombra do futuro”, que é dado pelas instituições internacionais. Desta forma, esses elementos geram múltiplas possibilidades de agir, criando uma memória e uma possibilidade de cooperação. Para os realistas não existe a possibilidade de comunicação entre os actores e, portanto, eles não cooperam.

O papel do regime seria providenciar os princípios e regras, reduzindo os custos e aumentando, de forma crescente, os benefícios da cooperação.

Existe, também, um certo custo para manter qualquer regime. Segundo a visão dos liberais, o regime pode ser criado por uma potência hegemónica benigna para se beneficiar com essa cooperação, devendo arcar com parte dos custos, pois estes devem ser proporcionais aos benefícios gerados ao país. Assim, se a potência hegemónica apenas se beneficiar sem arcar com os seus custos, este regime irá falhar. Nem todos os regimes precisam de uma potência hegemónica para serem criados, mas a potência tem um papel positivo para a criação dos mesmos. Contudo, uma vez criado o regime, segundo a visão desta teoria, este pode criar vida própria e se desvincular da potência hegemónica. É necessário que os benefícios sejam mais altos que os custos para continuar a participação (não importando se alguns têm mais benefícios que outros, pois os liberais analisam as vantagens absolutas).

Com isso, o primeiro grau de cooperação é a instituição internacional; depois, um grau de complexidade maior seria o regime, com participação da potência hegemónica; e, ao final, existiria o grau máximo de complexidade que é o regime independente da potência hegemónica.

Já para os realistas, os regimes são criados pelas potências hegemónicas para servir seus interesses e os custos são compartilhados, porém os benefícios são unilaterais. Assim, o objectivo não é cooperação e sim a colaboração. Além disso, a participação é garantida pela força.

Nos anos 1990, o tema central nas relações internacionais foi a globalização e os desafios que foram gerados para as relações internacionais. Este novo tema era especialmente desafiador para a economia política internacional, pois a globalização misturou o lado político e o lado económico, unindo ambos em um só.

É muito interessante observar que na teoria da hegemonia, regimes e instituições internacionais, a cooperação ocorre entre estados, sendo a localização geográfica a essência do actor para agir no sistema internacional, ou seja, fala de estados territoriais. Porém, com a introdução desse novo tema nas relações internacionais, a globalização, observa-se actores não territoriais, pela primeira vez, desde o tratado de Vestfália de 1648. Os novos actores seriam o capital financeiro, empresas multinacionais, entre outros. Os realistas afirmam que esses novos actores actuam através do estado, porém os liberais rebatem esta afirmação dizendo que os estados não conseguem controlar e regular os fluxos destes novos actores, se tornando vulneráveis a esta situação. Uma crítica feita à economia globalizada é o descompasso entre o sistema internacional territorializado (economia política internacional) e economia globalizada desterritorializada (representando um outro nível, a economia global com a participação de novos actores e um novo nível de análise). Desta forma, segundo a economia globalizada, os actores actuam no nível 1 (EPI) e no nível 2 (economia globalizada). A crítica da crítica ocorreu neste segundo nível (onde os actores económicos agiam) dizendo que foram feitas concessões demasiadas ao realismo, por isso, o liberalismo deve voltar às suas origens, analisando este novo nível.

GLOBALISMO

Concomitantemente a este debate entre os realistas e os liberais, existe uma terceira teoria se desenvolvendo marginalizada, pois traz uma abordagem diferente. Segundo este enfoque novo, chamado de globalismo, são estudadas as relações de dominação dentro do âmbito internacional, com um propósito normativo, pois querem mudar e não apenas entender o mundo. Desta forma, não querem explicar se as relações internacionais são baseadas nas guerras ou na cooperação e, sim, quais as razões do subdesenvolvimento de muitos países, e por isso o foco de estudo se torna a economia.

O globalismo contém algumas premissas que podem ser resumidas em:

1. Analisar as relações internacionais dentro de um contexto global e geral e, sendo assim, não é possível concentrar-se em uma área geográfica.

2. A explicação deve também ser histórica para não cometer erros imediatistas, aprendendo com a história e não repetindo os erros do passado.

3. O que deve ser explicado nas relações internacionais são as relações de dominação, ou seja, como a minoria consegue dominar a maioria, seja domesticamente ou internacionalmente.

4. A economia é central para as explicações das relações internacionais, por isso é preciso utilizar nessa análise ferramentas e processos econômicos (juntamente com a política e a sociologia).

É possível perceber uma influência de Gramsci na análise dos globalistas na questão do bloco histórico para explicar porque que as mudanças ocorrem em determinadas épocas e em outras não. A análise gramsciana é caracterizada por um voluntarismo político que ajuda a entender o planeamento e os diversos projectos que se associam e criam um momento propício para a mudança. Sendo assim, este voluntarismo político permite explicar por que houve a perpetuação ou o rompimento das relações de dominação, seja a nível internacional ou a nível doméstico.

Existe uma influência marxista no globalismo, principalmente nas análises sobre o padrão de evolução histórica das relações de dominação (o conflito seria o motor da dinâmica entre as classes sociais). Existe também um enfoque na totalidade, ou seja, não é possível entender o capitalismo sem entender as relações de exploração. Afirmam também, nessa perspectiva global, que qualquer solução localizada deve ser vista apenas como uma etapa da solução global.

Os actores principais nas Relações Internacionais para os globalistas são os actores sociais, mais precisamente as classes sociais, dentre as quais existe uma dominante e as outras são dominadas. Esses actores sociais actuam tanto no âmbito doméstico quanto no âmbito internacional. Um outro elemento importante na análise globalista é a economia-mundo. Este elemento é um sistema económico fechado (fechado no sentido de que é completo em si) e, através da dominação, o sistema capitalista consegue sobreviver a todas as crises, evoluindo e se tornando mais dominante. Desta forma, fica claro que a dinâmica do globalismo é a mudança através do conflito entre as classes sociais (essas mudanças são vistas como inevitáveis).

A) Teoria da Dependência:

Nas décadas de 60 e 70, o globalismo procurava explicar as causas do subdesenvolvimento, principalmente com base na teoria da dependência. Esta teoria é oriunda da América Latina e trouxe uma análise histórica, sociológica e antropológica para as relações internacionais. Ela tenta explicar o subdesenvolvimento usando os conceitos de centro e de periferia. O centro seria forte e centralizador e para se manter exploraria a periferia. No centro e na periferia podem ser distinguidas duas classes sociais, o capital e o trabalho. O conflito entre essas duas classes no centro é esvaziado, pois as frustrações do trabalhador da parte central são transferidas para a periferia, ou seja, o ônus da estabilidade social do centro é passado para a periferia. Entretanto o capital do centro não reduz sua margem de lucro, pois ele continua a explorar a periferia. Na periferia não existe uma “válvula de escape” como existe no centro, por isso a relação entre capital e trabalho na periferia só é possível, pois a elite local consegue dominar o trabalho, mas isso resulta em uma tensão permanente.

Existe um pacto tácito entre a elite do centro e a elite da periferia baseado em uma harmonia de interesses visando manter o Status Quo e com isso existe uma dependência mútua entre elas. Então, segundo a teoria da dependência, para acabar com o subdesenvolvimento é preciso romper com a relação de dominação entre o centro e a periferia. E para romper com esta relação de dominação é preciso que o trabalho da periferia (único insatisfeito com toda a situação) proponha mudanças, controlando os meios de produção na periferia. Neste ponto se distinguem, dentro da teoria da dependência, duas posições. Uma acha que as mudanças devem ocorrer com base em reformas, ao passo que a outra considera que o único meio é a revolução. Depois dessa primeira etapa (controle da economia doméstica) seria preciso romper o laço de dependência entre a periferia e o centro, acabando assim com as relações de exploração.

B) Teoria Mundial-Sistêmica:

Wallerstein com sua teoria mundial-sistêmica consegue adaptar o pensamento da teoria da dependência, sucintamente explicada acima, ao nível mundial, pois ele faz sua análise incluindo mais elementos[2]. A teoria da dependência conseguia explicar a situação dos países latino-americanos, mas não conseguia explicar a situação de todos os países subdesenvolvidos e também era acusada de ser uma teoria estática.

Segundo a teoria mundial-sistêmica, a análise deve ter uma perspectiva histórica, sobre a evolução do capitalismo, e uma perspectiva geográfica, pois é preciso que seu estudo seja baseado em um sistema fechado. Porém, actualmente, o mundo é a única unidade de análise possível, pois somente assim pode-se estudar um sistema mundo. Esta teoria tem uma premissa, afirmando que todos os eventos sociais devem ser analisados no contexto deste sistema.

Com essas ideias, o sistema analisado é o sistema capitalista mundial, pois a evolução do capitalismo e suas crises coincidem com as crises do sistema. E por estas razões, muitos consideram Wallerstein como um adepto ao pensamento marxista no século XX em escala mundial (estudo do capital e sua evolução). O capitalismo, segundo este autor, só evoluiu com a exploração que ocorreria inicialmente em nível local e depois se expandiu, para garantir a própria sobrevivência do capitalismo, para um nível global. E é por esta razão que a evolução do capitalismo levou o sistema a ser um sistema mundial.

Fica claro que o pensamento de Wallerstein, então, tem duas dimensões. A primeira é a do espaço: a economia mundial é organizada através de trocas que se expressam em termos de exploração (da periferia pelo centro). Neste ponto, a teoria mundial-sistêmica se coloca a um passo a frente da teoria da dependência, pois divide os países de forma mais detalhada, em periferia, semi-periferia e centro. Nessa semi-periferia existiriam padrões de exploração típicos da periferia e padrões de autonomia em relação ao centro[3].

A segunda dimensão no pensamento de Wallerstein é do tempo, pois só se pode entender o capitalismo se as crises forem colocadas dentro do seu contexto histórico. Existe, na lógica de evolução do capitalismo, um padrão de expansão e contracção (cria-se uma ideia de ciclos e evolução), que são essenciais para a compreensão do sistema.

Wallerstein propõe uma mudança para acabar com a relação de exploração, quebrando com os ciclos interligados e sucessivos próprios do capitalismo. Este autor ainda afirma que esta mudança deve ser do sistema e não dentro do sistema para realmente acabar com as relações de explorações, evitando que o capitalismo se adapte a essas novas mudanças.

A expansão que gera uma sobrevida ao sistema capitalista é possível, mas também é limitada, e esta é uma das razões da mudança ser inevitável. Esta expansão do capitalismo ocorreu basicamente por causa de dois factores: o primeiro foi que a economia capitalista começou praticamente junto com a criação do Estado-nação e, desta forma, na prática, os Estados-nações permitiram o capitalismo se sustentar no tempo e no espaço. O segundo factor foi em termos conceituais, pois o liberalismo (juntamente com o pensamento científico) formou uma ideologia que justificou a evolução do capitalismo. O pensamento liberal, desta maneira, criou um sustento político para esse sistema.

Podemos identificar algumas semelhanças entre os globalistas e os neorealistas. A primeira é que ambos estudam e tentam entender o conflito, enfatizando a noção de poder (característica essa comum a todos os realistas). Outra semelhança entre essas duas teorias é que ambas fazem uma análise sistémica das relações internacionais (entretanto, eles têm propósitos diferentes com esta análise – estes propósitos serão explicados mais adiante). Waltz faz essa análise sistémica, pois ele acredita que a estrutura do sistema determina o comportamento dos estados mediante a socialização e a competição[4].

Já Wallerstein faz uma análise sistémica, pois, segundo este autor, o mundo é a única unidade de análise possível. Na análise realmente sistémica, todos os elementos que compõem o sistema devem estar interligados e todos os eventos que ocorrem no sistema devem ter explicações internas ao mesmo, e por isso é que deve ser um sistema-mundo.

É possível identificar outra semelhança relacionada aos actores internacionais com papel fundamental para as relações internacionais. Waltz considera que os estados são os actores de maior importância. Devemos enfatizar que, para esses teóricos, o estado se caracteriza por ser unitário, racional e que age com base num cálculo custo-benefício e tem o papel mais importante como ator internacional. Wallerstein, apesar de considerar as classes sociais como o principal actor nas relações internacionais[5], atribui um papel fundamental para os estados. Segundo este autor, foi o nascimento do Estado-nação na Europa que permitiu o desenvolvimento do capitalismo e esta forma de produção passou a utilizar o estado para se perpetuar. Além disso, para acabar com as relações de dominação, as classes sociais devem se unir para reverter a dominação dentro do estado e depois reverter a exploração internacional. Com isso, fica evidente a importância do papel do estado dentro da teoria de Wallerstein, pois é o actor que vai possibilitar a mudança, através do desenvolvimento do terceiro mundo. Na teoria, ele cita as classes sociais, mas, na prática, ocorreria a mudança através dos estados.

Todavia, podemos também encontrar algumas diferenças entre o neorealismo de Waltz e o globalismo de Wallerstein. A primeira diferença que podemos identificar é justamente decorrente de um ponto em comum entre as duas teorias. Como foi dito, quando analisamos as semelhanças, ambos os teóricos fazem uma análise sistémica-estrutural das relações internacionais. Porém, Waltz analisa o poder militar ao passo que Wallerstein analisa os meios sociais de produção, ou seja, enquanto um atribui ênfase ao estado, o outro enfatiza as classes sociais. Outro ponto divergente é que os realistas, por um lado, utilizam esta análise para entender e explicar a continuidade nas relações internacionais (existiria um determinismo pro status quo), e os globalistas, por outro lado, utilizam a análise para explicar as mudanças e como é possível incentivá-la (existiria um determinismo também, só que em favor da mudança). Com isso, o globalismo tem um propósito normativo, ou seja, de mudança, e os realistas, assim como os liberais, têm um propósito de continuidade.

Outra diferença que podemos citar é em relação ao foco de estudo. Os realistas enfatizam o papel fundamental da política nas relações internacionais justamente porque os estados são os actores mais relevantes. Porém, os globalistas (assim como os liberais, neste ponto) enfatizam a importância do estudo da economia para as relações internacionais. Os globalistas também atribuem, como foi explicado anteriormente, uma grande importância para a história, pois é uma grande oportunidade de aprendizagem.

Mais uma diferença é em relação à abrangência do estudo das relações internacionais. Os realistas definem o estudo das relações internacionais como o estudo das relações entre as unidades (os estados). E, por isso, não se deve estudar as relações internas ou domésticas dos estados, pois essas relações não são entre estados e, sim, dentro do estado. Já os globalistas, assim como os liberais, admitem fazer parte do estudo das relações internacionais, tanto as relações domésticas quanto as relações internacionais e as interacções entre o espaço doméstico e o espaço internacional (pois é impossível afirmar que não existe interacção entre eles).

Existe também uma diferença que se torna muito interessante, pois ela é ao mesmo tempo uma semelhança. Como foi explicado na análise das semelhanças, Waltz e Wallerstein, através de suas teorias deixam claro a importância da actuação do estado nas relações internacionais. Porém, este também é um ponto de diferença entre essas teorias, pois enquanto os realistas afirmam que o estado realmente é o actor mais importante, Wallerstein afirma que as classes sociais é que são os actores internacionais de maior importância e não os estados. Este é um ponto de crítica à teoria de Wallerstein, pois o acusam de ser estadocêntrico e incoerente por causa desta posição.

Uma outra crítica à teoria mundial-sistémica, feita principalmente pelos realistas, é em relação à divisão feita por Wallerstein dos estados em centro, semi-periferia e periferia. Os realistas o acusam de estar apenas usando um vocabulário diferente para falar sobre coisas já conhecidas, que seriam os estados desenvolvidos, emergentes e subdesenvolvidos. Entretanto, os realistas, ao afirmarem isso, estão deformando o argumento deste autor globalista, pois a divisão feita pela teoria mundial-sistémica é feita segundo uma base económica e social (em relação aos meios de produção) enquanto a outra divisão é realizada segundo uma base de poder militar (capacidades militares).

NOTAS:

[1] Em minha opinião, o foco político não foi levado em consideração, pois os estados podem entrar em guerra contra outros não por fatores econômicos e sim por fatores políticos, culturais, religiosos, entre outros. Desta forma, considero que existe uma falha neste argumento favorável a EPI como uma teoria.

[2] Wallerstein inclui na análise da teoria mundial-sistêmica o conceito de semi-periferia e o fator de dominação. Esses dois elementos, além de outros, diferem esta teoria da teoria da dependência.

[3] Com essa classificação mais detalhada Wallerstein consegue fugir de uma limitação característica da teoria da dependência. Esta segunda teoria não conseguia diferenciar países como o México e o Brasil de países como a Guiana Francesa e a Nicarágua. Porém, com a introdução do conceito de semi-periferia, isto se torna possível, assim como também fica viável a explicação de ascensão e queda de novos e velhos centros (como é o caso dos EUA), o que também não é explicado pela teoria da dependência.

[4] Interessante perceber que Waltz utiliza um argumento estrutural da esquerda para fundamentar uma teoria da direita que defende o status quo. Waltz, de uma forma genial, consegue explicar a continuidade através da análise estrutural.

[5]Esclarecerei mais adiante como este ponto, na verdade, é uma semelhança e uma diferença ao mesmo tempo e por este fato representa uma das grandes críticas à teoria mundial-sistêmica de Wallerstein.