terça-feira, 29 de junho de 2010

ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS RELAÇÕES INTER-AFRICANAS NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO: Oportunidades e Desafios

Por: Alexandre Silva Dunduro, Emílio Jovando Zeca, Eurico Ernesto Bizueque e Fidel Serafim de Novais
Estudantes do Instituto Superior de Relações Internacionais, Maputo-Moçambique


INTRODUÇÃO

A presente análise estratégica das Relações Inter-Africanas enquadram-se no contexto da Globalização marcado pelo processo de regionalismo, crescente interdependência entre os Estados que resulta das multifacetadas dinâmicas, tecnologias e a própria consciência do tempo e do espaço, (Harvery, 1999). As relações inter africanas não escapam do processo de globalização e várias oportunidades e desafios são apresentados, o que, actualmente, torna pertinente fazer uma análise estratégica do enquadramento das Relações Inter-Africanas tendo em conta o processo da globalização.

FORÇAS
· Continente Virgem: África possui recursos abundantes ainda não explorados como é o caso de petróleo, gás natural, diamantes, ouro, recursos hídricos, faunísticos e florestais e outros.
· Estados Soberanos e Independentes: quase todos os Estados africanos alcançaram as suas independências, excepto Sahara ocidental e estes são reconhecidos como actores no Sistema Internacional.
· Blocos Económicos Regionais: o continente possui blocos regionais num processo de integração muito avançado, que é uma preparação e consolidação para uma futura criação dos Estados Unidos de África.
· População Jovem: África possui muita população activa e em crescimento (densidade populacional alta).
· Mão-de-obra Abundante: sendo a maioria da população do continente jovem e activa, ela constitui uma grande força produtiva.
· Localização Geoestratégica e Extensão Territorial: o continente possui uma enorme extensão de terra, fértil, banhada por oceanos, mares e rios e encontra-se localizada no centro do globo entre América, Europa, Médio Oriente, Antárctida.


OPORTUNIDADES
· Integração Regional Efectiva: os blocos regionais em África encontram-se num processo de integração regional ao nível económico, político e sociocultural.
· Reconstrução Económica do Continente: há um despertar da consciência dos líderes africanos em usar modelos económicos adequados a realidade africana e a busca de novos parceiros com uma clara mudança do ocidente para o oriente (China e Japão), América Latina e Médio Oriente.
· Criação dos Estados Unidos de África e um Governo Continental: aumentará a capacidade e o poder de decisão nos fora internacionais. Tornar-se um continente poderoso, moderno, industrializado, economicamente viável e competitivo
· Criação de Infra-estruturas de Desenvolvimento: escolas, hospitais, bancos, etc.
· Alargamento dos Mercados: há possibilidade dos países africanos encontrarem novos mercados e oportunidades de negócios.
· Cooperação: com novas instituições financeiras internacionais e outros parceiros diferentes dos parceiros ocidentais tradicionais (Banco Mundial, FMI).
· Democracia Efectiva e Boa Governação: descentralização e desconcentração do poder, eleições livres e regulares.

FRAQUEZAS
· Continente Multi-étnico: no continente africano existem muitas etnias.
· Fragilidade Económica: as estruturas económicas dos países africanos são muito frágil e a herança colonial em pouco ajudou.
· Capacidade Energética: há uma fraca capacidade de transformar os recursos energéticos em factores de produção.
· Mão-de-obra Abundante Pouco Qualificada: a maior parte da população africana não é alfabetizada e o domínio das novas tecnologias de comunicação, informação e produção é muito baixa.
· Estrutura de Produção de Baixa Produtividade: os factores produtivos em África são muitos caros e a produtividade é baixa.
· Herança Colonial nos Modelos de Governação: os paradigmas de governação são atípicos de África e muitos deles ainda reflectem a herança colonial e entram em choque com a realidade africana.
· Fraca Capacidade de Gestão dos Recursos Existentes: há falta de capacidade de transformar, internamente, os recursos existentes em riqueza.
· Falta de um Exército Permanente e Forte: não temos uma aliança militar forte como a de outros continentes como é o caso da NATO.
· Corrupção: existência da corrupção nos governos e na administração pública dos Estados africanos (nepotismo, clientelismo, neopatrimonialismo).

AMEAÇAS
· Divergências Políticas nas lideranças dos Países Africanos: não há consenso nas políticas e mecanismos de criação dos Estados Unidos da África – uns, são gradualistas e outros são progressistas.
· Perda de Valores e consequente aquisição de valores ocidentais que podem ser desajustados aos reais interesses de desenvolvimento africano endógeno.
· Catástrofes Naturais: podem impedir ou retardar o desenvolvimento, principalmente pelo facto do continente africano não ter meios tecnológicos, económicos e financeiros para prever e conter a situação.
· Crises e Choques Financeiros Internacionais: fraca estrutura económica e reservas baixas para poder resistir à crises financeiras internacionais cíclicas e oscilação do baril do petróleo.
· Imposição de Modelos: sociopolíticos e económicos não adequados à realidade africana.
· HIV/SIDA e outras Doenças Endémicas (Malária, Cólera): podem ser causa de mortes e redução demográfica.

CENÁRIOS PROVÁVEIS

Cenário Óptimo:
1. Nível Político – que as lideranças africanas saibam aproveitar positivamente a onda da globalização para uma integração efectiva e fecunda dos Estados africanos, de modo a consolidar a criação dos Estados Unidos de África, onde o continente tenha maior poder de decisão no sistema internacional.

2. Nível Económico – que interacção intra e inter regional traga ganhos económicos mútuos, por forma a superar a actual fraqueza estrutural da economia dos Estados africanos e que os recursos possam ser transformados em riqueza para o benefício de todos os Estados.

3. Nível Social – que a multiplicidade étnica seja usada pelas lideranças como factor de união e factor agregador de modo a se alcançar uma integração multi-étnica continental e uma única identidade africana, onde todas as etnias se sintam integradas, para o bem comum.

Cenário Moderado:
Com a globalização e crescente interdependência, que a relação entre as ex metrópoles e os Estados africanos não sejam de hostilidade, por forma a se obterem ganhos mútuos (cooperação bi e multilateral, troca de tecnologia, formação de quadros, exportação de recursos e matéria prima, transferências de capitais e investimentos).

Cenário Péssimo:
1. Tendência ao Neocolonialismo, por causa da arquitectura das instituições financeiras internacionais que tentam perpetuar a dependência, através dos condicionalismos por elas impostas, o que fará com que as Relações Inter-Africanas sejam de dependência ao Ocidente.
2. Com a globalização e a fraca capacidade competitiva da economia africana, os produtos provenientes de outros mercados internacionais mais competitivos podem ser nefastos para a economia africana.
3. Com a globalização e a crescente Interdependência entre os Estados, o Ocidente pode perder a África como o seu mercado de injecção de produtos acabados e local de busca de matérias-primas para as sua indústrias.

BIBLIOGRAFIA

Dick, Florentino Kassotche (1999), Globalization: Fears of Developing Countries – Reflection on the Mozambican Case, ISRI, Maputo.
Lopez, José Luis Cortés (2001), História Contemporânea de África: desde 1940 Hasta Nostros Dias – De Nkrumah a Mandela, 2ª Edição, Editora Mundo Negro, Madrid.
Piacasso, Tomé (2003), Da Organização da Unidade Africana à União Africana: Percursos, Lições e Desafios, Editor Ministério de Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, Maputo.
Zeleza, Paul (1989), Globalization and African Economies on Verge of the 21st Century, Center of African Studies, University of illinois, USA.

MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS EM ÁFRICA: GARANTIA DE GOVERNAÇÃO OU VIOLÊNCIA POLÍTICA?


Por: Âmgelo Dramuce e Emílio Jovando

Com o fim da guerra fria, houve o propalar do modelo democrático liberal. Os Estados Africanos, que desde a sua independência foram guiados pelos mesmos presidentes e partidos, viram-se pressionados a implantarem o multipartidarismo. A maioria dos partidos históricos que estavam ligados à luta de libertação contra o regime colonial, confrontados pelas novas realidades e novas forças políticas que lutam pela democracia e maior participação política, acabam mostrando alguma relutância na alternância pacífica do poder. A saída para alguns destes partidos e seus líderes, de modo a que perpetuem no poder, tem sido as mudanças constitucionais. Sendo assim, urge questionar: será que as mudanças constitucionais em África constituem um modelo de garantia de governação ou degenera em violência política?
O processo de descolonização de África começou nos finais dos anos 1950, fruto da união para a libertação colonial, auto-determinação e desenvolvimento económico. Mas, episódios de limpeza étnica, regimes autoritários e ganância na permanência de poder e lutas titânicas no acesso do mesmo, fizeram com que o processo da independência não produzisse os efeitos necessários.

Assim, a luta pelo acesso ao poder tornou-se competitiva entre os seguimentos que tentam aceder ao exercício do mesmo. Para a prevalência da lei e o seu primado, deve haver um conhecimento profundo dela. O primado da lei é sine qua non para garantir a correcta aplicação da mesma e para o alcance da justiça e bem-estar. Uma magistratura e um sistema judicial independente, uma força policial e militar não corruptível e uma aplicação não discriminatória da lei são importantes na boa governação.

Em África, as mudanças constitucionais ocorrem há algum tempo. Elas foram motivadas por vários factores. Dentre os factores desta motivação, podemos encontrar: a instabilidade constitucional motivada pela inconsistência da própria, a intenção de alguns líderes africanos de prolongar o seu mandato (Angola Press, 2009), para ajustar a nova constituição à realidades e desafios actuais, e para criação de novos postos que visam a acomodação das elites políticas, sobretudo depois da violência pós eleitoral.

Segundo Angola Press (2009), África sofreu recentemente mudanças constitucionais de carácter inconstitucional que testemunham um fracasso dos progressos democráticos que o continente negro começava a conhecer. Em Madagáscar, soldados obrigaram Ravalomanana à demissão; jovens oficiais militares assumiram o poder na Guiné Conakry, após morte do presidente Lassana Conté, em Dezembro de 2008. Na Mauritânia, membros da guarda presidencial tomaram efectivamente o poder e opuseram-se à mudança do exército, em 2008. Um golpe de Estado foi perpetuado na Guiné-Bissau contra Nino Vieira, em 2008, e este veio a ser assassinado, após assassinato do chefe de Estado Maior General.

O neopatrimonialismo das elites políticas e os partidos no poder fazem com que estes mostrem muita relutância na alteração pacífica do poder, depois dos processos eleitorais em que os resultados não lhes são favoráveis. Para Bratton (1997), a herança institucional dos partidos africanos históricos na libertação dos Estados influencia a alteração da democracia em oligarquias competitivas. Fatton (1998) diz que a classe política no poder expressa mais o uso da violência do que a sua liderança moral, intelectual e material.

O processo das mudanças constitucionais em África, sustentados por líderes e forças políticas que desejam perpetuar-se no poder, são motivadas pela erosão da legitimidade por parte das autoridades que detêm o poder, processo de modernização que provoca mudanças sociais, políticas, económicas e religiosas, frustração nas expectativas dos cidadãos e privação relativa, degenerando assim em violência estrutural.

Devido a má governação, muitos líderes acabam por enveredar pela violência quando exercem o poder e, deste modo, perdem a legitimidade por mau exercício do poder. Eles forjam e alteram as constituições dos Estados por medo da responsabilização penal nacional (crimes de sangue) e responsabilização internacional, assim como o medo do efeito dominó dessa responsabilidade para com os seus correligionários.

Segundo Hama Thai (1999: 58), “as tentativas de implementação da democracia liberal nos países do Terceiro Mundo culminaram em democracias fechadas, ou em formas autoritárias de governação”, basta recordarmos o caso de Zimbabwe, por exemplo.

As mudanças constitucionais visando a perpetuação do poder têm um carácter de mudança ou alteração constitucional de carácter formal; só depois é que ocorre a mudança material. Este acto erode a legitimidade e legalidade do líder, primeiro porque, os nacionais ou concidadãos, muitas vezes, não toleram esse acto, a não ser em casos de líderes carismáticos; segundo, porque a comunidade internacional e as organizações regionais também o criticam. E os indivíduos que enveredam pela crítica ao regime são considerados persona non grata e alvo a abater, visto que, podem enveredar, manifestações, greves, protestos, sabotagem, paralisações. Para conter a situação, as autoridades detentoras do poder enveredam por actos que, muitas vezes, degeneram em privação relativa ou violência política. Assim, as mudanças constitucionais que visa perpetuar o poder e com intenções obscuras tornam-se um comportamento corruptível e abominável.

Para colmatar e evitar este tipo de mal das mudanças constitucionais tendenciosas, é necessário que as mudanças constitucionais aconteçam para ajustar às novas realidades e desafios jurídicos e constitucionais nacionais e internacionais, sem ferir a própria constituição. Outra saída consistiria em enveredar e optar pela Utopia Negativa de Max Horkeimer (1967) e Theodor Adorno (1947), onde não se pode voltar à tradição objectiva do passado, mas antes destruir o presente por meio de progresso na direcção da utopia, o qual consiste em negar ou renunciar a tudo quanto é inútil, destrutivo e permissivo ao Homem e impede o seu desenvolvimento e progresso. Porque o iluminismo está para as coisas como o ditador para os Homens: os conhece na medida em que se encontra na posição de os manipular. (Abbagnano, 2001:125).

Aconselharia-se aos líderes africanos de modo a não alterar as constituições dos Estados por qualquer razão que fosse, seja por referendo, quando os mandatos consagrados pelas constituições terminem, fraude eleitoral, que pode degenerar em violência pós eleitoral e consequentemente ao Governo de Unidade Nacional, o que fragiliza a unidade nacional e consequentemente a construção de um Estado de direito. Portanto, os líderes desempenham um papel central na consolidação da unidade e identidade nacional, desde o momento que não se deixem levar pela estrutura anárquica dos sistemas políticos e a identidade que os mesmos compõem e apresentam. (Dramuce, 2009:5).

As elites políticas e os líderes dos partidos devem ser carismáticos e pragmáticos; não devem, de modo algum, apoiar questões de sobre valorização racial, étnico tribal e regional, de modo que estas nuances não criem uma estrutura anárquica partidária, porque isto pode constituir elemento divisional que levará a má governação, uma vez que excluirá um certo grupo, e isso pode degenerar em violência estrutural e política e privação relativa.

Os grupos de pressão são fundamentais no processo de governação e na resolução pacífica da violência estrutural e política, de modo que não se altere a constituição inadequadamente ou que a alteração aconteça de acordo com a lei. Estes grupos têm grande influência na pressão exercida aos líderes para que a mudança constitucional tenha aceitação ou para que, em caso de mudança constitucional para a perpetuação do poder, os líderes sejam marginalizados e responsabilizados.

A Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação (2007:2), no seu preâmbulo diz que os Estados da União Africana estão preocupados com as mudanças constitucionais de governo que constituem um das causas essenciais de insegurança, instabilidade, crise e violentos confrontos em África. Os Estados estão determinados a reforçar a boa governação através da institucionalização da transparência, da obrigação de prestação de contas e da democracia participativa.

A União Africana desempenha um papel fundamental na monitoria, persuasão e dissuasão das mudanças constitucionais, sobretudo nos casos em que vise a perpetuação do poder do dia, e nos casos em que recorre-se a inconstitucionalidade para tal.

REFERÊNCIAS

Burton, John (1962) Peace Theory, Preconditions of Desarmament, Knoph, New York.
Bratton, Michel e Van de Walle (1997) Democratic Experiments in Africa: Regime Transitions in Comparative Perspective, New York, Cambridge University.
Hama Thai, Benedito (1999), Sistemas Políticos Contemporâneos, Instituto Superior de Relações Internacionais, Imprensa Universitária, CEGRAF, Maputo.
Azambuja, Darcy (2007), Introdução à Ciência Política, 17ª Edição, 1ª Reimpressão, o, São Paulo.
Miranda, Jorge (2003) Manual de Direito Constitucional – Momentos constitucionais e mudança política, Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa., II,5ª Edição, Coimbra.



BANTOCRACIA COMO ALTERNATIVA À DEMOCRACIA LIBERAL NA ÁFRICA BANTU

Desde aos anos 1960, período das independências africanas, onde vários países do continente africano alcançaram as suas independências do jugo colonial, até finais dos anos 1980, o continente africano contava quase unicamente com regimes autoritários e duros, baseados no sistema de partido único. Poucos foram os sistemas políticos receptivos ao espírito crítico construtivo, contestação e pluralismo político e religioso. Nos nossos dias, verificamos que números são os chefes de Estados africanos que se fixaram e no poder. Eles estão dispostos, a todo custo, a não perderem o controlo do poder político e da sua posição de chefe de Estado e do governo.

A Democracia é definida como sendo o governo do povo pelo povo, geralmente através de representantes eleitos. No mundo moderno, a democracia desenvolveu-se a partir das revoluções americana e francesa. Numa democracia directa, todo o povo se reúne para fazer as leis ou dar instruções aos que exercem funções executivas, por exemplo, em Atenas, no século V a.C. Hoje em dia, a democracia directa é representada sobretudo pela utilização do referendum, como sucede no Reino Unido, na França, na Suíça e nalguns estados dos EUA, (Enciclopédia Universal Multimédia, 1999).

Os conceitos subjacentes à democracia liberal são o direito a um governo eleito e representativo e o direito à liberdade individual. Na prática, um sistema democrático liberal é caracterizado pela existência de instituições representativas baseadas no governo de uma maioria eleita por eleições livres disputadas por vários partidos políticos; pela responsabilidade do governo perante o eleitorado; pela liberdade de expressão, de reunião e do indivíduo, pela garantia de um sistema judicial independente; e pelas limitações do poder do governo.

Um sistema político só pode ser considerado verdadeiramente democrático se o governo puder ser pacificamente demitido por uma decisão da maioria do povo. Há poucos países hoje em dia que não afirmem ser democráticos, mas com base neste critério, nem todos o são verdadeiramente.

A democracia política é apenas uma das vertentes da democracia, uma vez que a democracia é algo oolítico. A história dos países democráticos já provou que um Estado verdadeiramente democrático não pode consistir apenas numa estrutura política democrática. Tem de ser capaz de formar pedagogicamente a opinião pública, para que seja efectiva a participação de todos os cidadãos no controlo das decisões dos órgãos do poder político. Deve fazer vigorar uma democracia social e deve também incentivar a criação de uma democracia económica.

O começo da década 1990 coincidiu com o fim da Guerra-fria e a consequente bipolarização do mundo. O resultado deste processo foi a expansão do modelo democrático liberal em vários Estados que antes tinham adoptado o socialismo como modelo de desenvolvimento. Houve uma descida progressiva da Ajuda internacional ao desenvolvimento; houve a decadência da tutela da geopolítica e geoestratégia e uma redução da soberania de muitos países devido a dívida externa e a exigência da democracia a troco de empréstimos por parte das instituições financeiras. Os países africanos não puderam escapar deste contexto e destas imposições.

Como resultado deste contexto, verificou-se uma onda de democratização que arrastou consigo 38 países africanos. Mas, hoje, quando se faz o balanço desta onda de democratização, o resultado é pobre e deixa muito a desejar. Ora vejamos: dos 38 Estados africanos que optaram pela transição ao regime democrático liberal, 4 abortaram antes das eleições que tinham sido marcadas; 20 presidentes mantiveram-se no poder apesar das eleições terem ocorrido e os resultados lhes serem desfavoráveis; houve 14 mudanças presidenciais, mas não pacíficas, das quais 4 foram a restauração de regimes autoritários, 2 foram o regresso de antigos presidentes; houve 3 transições de regime e de presidente que foram de modo pacífico e 5 democracias foram consolidadas, com destaque para Moçambique.

Entre 2000 – 2008, o Continente Africano experimentou poucos avanços em matéria de democratização e implementação dos pressupostos democráticos nos modelos de governação, prova disso são os casos de resistência democrática, golpes de Estados e violência política para se manter no poder.

Em muitos Estados Africano, o Aparelho do estado passou a ser o único meio de acumulação de bens e riqueza e os presidentes em exercício esforçam-se a todo custo por regular, restringir e limitar a competição política de outros membros e outras forças que tentam ascender ao poder de forma pacífica e democrática. Para agravar, o despotismo e nepotismo fazem parte do modus operandi da maioria destes líderes. Perante este cenário, muitos são os analistas que defendem que o modelo democrático liberal está desajustado à realidade africana, ou seja, é uma cópia que não se adequa a realidade dos países africanos.

Se olharmos para muitos países do continente africano abaixo do Sahara, verificamos que são países onde a cultura bantu é dominantes. É sabido que o modelo bantu de acesso, aquisição e manutenção do poder é o modelo tradicional de sistema político.

Segundo Ball (1999:34-39), o modelo tradicional é o mais antigo e existiu em quase todas sociedades e, até hoje, influencia os sistemas políticos actuais. Neste modelo, o poder é controlado por uma aristocracia dominante. A legitimidade é baseada em costumes; há uma base axiológica tradicional e princípios religiosos. O regime de governação e a orientação do regime é extremamente conservador. As reformas e transformações sociais, económicas e políticas são raras e quando acontecem, procuram assegurar a supremacia social, económica, política e religiosa das elites aristocráticas. Verifica-se uma participação política de massa muito fraca. Os antepassados e os costumes têm grande relevância na governação e condução dos destinos da comunidade. Este modelo de governação tende a cair quando as forças da modernização, instrução, globalização entram bem no seu seio da comunidade. O acesso ao poder é de forma hereditária.

Todos esses elementos verificam-se em quase todos os países africanos que tentaram enveredar pela transição ao modelo democrático desde o início da década 1990. Os chefes de Estado e de governo são relutantes em ceder o poder facilmente, porque, muitos deles, acham que os outros podem “vender o país” a estranhos, sobretudo ao Ocidente. O problema que para uns está no desajustamento do modelo da democracia liberal à realidade africana, para outros, o problema está nas lideranças que se apegaram ao poder e têm medo de serem responsabilizados pelos nacionais e pela comunidade internacional pela governação danosa.

A solução para resolver esse problema pode ser a Bantocracia ou a chamada Democracia Africana, democracia essa assente nos valores bantu, onde há um líder que é o Ansião, detentor do saber, dos costumes, serve aos membros da comunidade, é o representantes legítimo da tradição e dos antepassados, é assessorado por um grupo de anciões e sábios e escuta o que o povo diz e quer.

O líder, na Bantocracia, detém o poder, não o exerce o mesmo para o seu benefício próprio, mas sim em benefício da comunidade. Ele é assessorado por um grupo de Ansião que o ajudam na tomada de decisão e as decisões são colegiais, tendo sempre em consideração as ansiedades do povo. O povo tem sempre uma palavra a dizer, visto que as decisões são lhes apresentadas e consultadas. Aparentemente, pode parecer que a Bantocracia é antidemocrática, mas o poder reside no povo e todas as decisões são tomas tendo em conta o mes mo povo.

Para terminar, voltando aos líderes africanos que a todo custo querem se manter no poder, resta dizer que a grande sorte dos Estados do continente africano é que esses dinossauros no poder estão a ficar muito poucos. Sendo assim, há lugar para uma esperança, se bem que a experiência aconselha e manda ser prudente.

REFERÊNCIAS
Ball, Allan (1994), Modern Ppolitics & Government, 5ª Edição, MacMillan Press, Londres.
Combonianos, Missionários (2007) Revista Missionária Além – Mar, Nº 562, Ano LI, Lisboa.
Enciclopédia Universal Multimédia (1997) Texto Editora, CD-ROM, Lisboa
Lopez, António José (2001) História da África Contemporâne: De Nkrumah a Mandela, 2ª Edição, Edições Mundo Negro, Madrid.