terça-feira, 29 de junho de 2010

BANTOCRACIA COMO ALTERNATIVA À DEMOCRACIA LIBERAL NA ÁFRICA BANTU

Desde aos anos 1960, período das independências africanas, onde vários países do continente africano alcançaram as suas independências do jugo colonial, até finais dos anos 1980, o continente africano contava quase unicamente com regimes autoritários e duros, baseados no sistema de partido único. Poucos foram os sistemas políticos receptivos ao espírito crítico construtivo, contestação e pluralismo político e religioso. Nos nossos dias, verificamos que números são os chefes de Estados africanos que se fixaram e no poder. Eles estão dispostos, a todo custo, a não perderem o controlo do poder político e da sua posição de chefe de Estado e do governo.

A Democracia é definida como sendo o governo do povo pelo povo, geralmente através de representantes eleitos. No mundo moderno, a democracia desenvolveu-se a partir das revoluções americana e francesa. Numa democracia directa, todo o povo se reúne para fazer as leis ou dar instruções aos que exercem funções executivas, por exemplo, em Atenas, no século V a.C. Hoje em dia, a democracia directa é representada sobretudo pela utilização do referendum, como sucede no Reino Unido, na França, na Suíça e nalguns estados dos EUA, (Enciclopédia Universal Multimédia, 1999).

Os conceitos subjacentes à democracia liberal são o direito a um governo eleito e representativo e o direito à liberdade individual. Na prática, um sistema democrático liberal é caracterizado pela existência de instituições representativas baseadas no governo de uma maioria eleita por eleições livres disputadas por vários partidos políticos; pela responsabilidade do governo perante o eleitorado; pela liberdade de expressão, de reunião e do indivíduo, pela garantia de um sistema judicial independente; e pelas limitações do poder do governo.

Um sistema político só pode ser considerado verdadeiramente democrático se o governo puder ser pacificamente demitido por uma decisão da maioria do povo. Há poucos países hoje em dia que não afirmem ser democráticos, mas com base neste critério, nem todos o são verdadeiramente.

A democracia política é apenas uma das vertentes da democracia, uma vez que a democracia é algo oolítico. A história dos países democráticos já provou que um Estado verdadeiramente democrático não pode consistir apenas numa estrutura política democrática. Tem de ser capaz de formar pedagogicamente a opinião pública, para que seja efectiva a participação de todos os cidadãos no controlo das decisões dos órgãos do poder político. Deve fazer vigorar uma democracia social e deve também incentivar a criação de uma democracia económica.

O começo da década 1990 coincidiu com o fim da Guerra-fria e a consequente bipolarização do mundo. O resultado deste processo foi a expansão do modelo democrático liberal em vários Estados que antes tinham adoptado o socialismo como modelo de desenvolvimento. Houve uma descida progressiva da Ajuda internacional ao desenvolvimento; houve a decadência da tutela da geopolítica e geoestratégia e uma redução da soberania de muitos países devido a dívida externa e a exigência da democracia a troco de empréstimos por parte das instituições financeiras. Os países africanos não puderam escapar deste contexto e destas imposições.

Como resultado deste contexto, verificou-se uma onda de democratização que arrastou consigo 38 países africanos. Mas, hoje, quando se faz o balanço desta onda de democratização, o resultado é pobre e deixa muito a desejar. Ora vejamos: dos 38 Estados africanos que optaram pela transição ao regime democrático liberal, 4 abortaram antes das eleições que tinham sido marcadas; 20 presidentes mantiveram-se no poder apesar das eleições terem ocorrido e os resultados lhes serem desfavoráveis; houve 14 mudanças presidenciais, mas não pacíficas, das quais 4 foram a restauração de regimes autoritários, 2 foram o regresso de antigos presidentes; houve 3 transições de regime e de presidente que foram de modo pacífico e 5 democracias foram consolidadas, com destaque para Moçambique.

Entre 2000 – 2008, o Continente Africano experimentou poucos avanços em matéria de democratização e implementação dos pressupostos democráticos nos modelos de governação, prova disso são os casos de resistência democrática, golpes de Estados e violência política para se manter no poder.

Em muitos Estados Africano, o Aparelho do estado passou a ser o único meio de acumulação de bens e riqueza e os presidentes em exercício esforçam-se a todo custo por regular, restringir e limitar a competição política de outros membros e outras forças que tentam ascender ao poder de forma pacífica e democrática. Para agravar, o despotismo e nepotismo fazem parte do modus operandi da maioria destes líderes. Perante este cenário, muitos são os analistas que defendem que o modelo democrático liberal está desajustado à realidade africana, ou seja, é uma cópia que não se adequa a realidade dos países africanos.

Se olharmos para muitos países do continente africano abaixo do Sahara, verificamos que são países onde a cultura bantu é dominantes. É sabido que o modelo bantu de acesso, aquisição e manutenção do poder é o modelo tradicional de sistema político.

Segundo Ball (1999:34-39), o modelo tradicional é o mais antigo e existiu em quase todas sociedades e, até hoje, influencia os sistemas políticos actuais. Neste modelo, o poder é controlado por uma aristocracia dominante. A legitimidade é baseada em costumes; há uma base axiológica tradicional e princípios religiosos. O regime de governação e a orientação do regime é extremamente conservador. As reformas e transformações sociais, económicas e políticas são raras e quando acontecem, procuram assegurar a supremacia social, económica, política e religiosa das elites aristocráticas. Verifica-se uma participação política de massa muito fraca. Os antepassados e os costumes têm grande relevância na governação e condução dos destinos da comunidade. Este modelo de governação tende a cair quando as forças da modernização, instrução, globalização entram bem no seu seio da comunidade. O acesso ao poder é de forma hereditária.

Todos esses elementos verificam-se em quase todos os países africanos que tentaram enveredar pela transição ao modelo democrático desde o início da década 1990. Os chefes de Estado e de governo são relutantes em ceder o poder facilmente, porque, muitos deles, acham que os outros podem “vender o país” a estranhos, sobretudo ao Ocidente. O problema que para uns está no desajustamento do modelo da democracia liberal à realidade africana, para outros, o problema está nas lideranças que se apegaram ao poder e têm medo de serem responsabilizados pelos nacionais e pela comunidade internacional pela governação danosa.

A solução para resolver esse problema pode ser a Bantocracia ou a chamada Democracia Africana, democracia essa assente nos valores bantu, onde há um líder que é o Ansião, detentor do saber, dos costumes, serve aos membros da comunidade, é o representantes legítimo da tradição e dos antepassados, é assessorado por um grupo de anciões e sábios e escuta o que o povo diz e quer.

O líder, na Bantocracia, detém o poder, não o exerce o mesmo para o seu benefício próprio, mas sim em benefício da comunidade. Ele é assessorado por um grupo de Ansião que o ajudam na tomada de decisão e as decisões são colegiais, tendo sempre em consideração as ansiedades do povo. O povo tem sempre uma palavra a dizer, visto que as decisões são lhes apresentadas e consultadas. Aparentemente, pode parecer que a Bantocracia é antidemocrática, mas o poder reside no povo e todas as decisões são tomas tendo em conta o mes mo povo.

Para terminar, voltando aos líderes africanos que a todo custo querem se manter no poder, resta dizer que a grande sorte dos Estados do continente africano é que esses dinossauros no poder estão a ficar muito poucos. Sendo assim, há lugar para uma esperança, se bem que a experiência aconselha e manda ser prudente.

REFERÊNCIAS
Ball, Allan (1994), Modern Ppolitics & Government, 5ª Edição, MacMillan Press, Londres.
Combonianos, Missionários (2007) Revista Missionária Além – Mar, Nº 562, Ano LI, Lisboa.
Enciclopédia Universal Multimédia (1997) Texto Editora, CD-ROM, Lisboa
Lopez, António José (2001) História da África Contemporâne: De Nkrumah a Mandela, 2ª Edição, Edições Mundo Negro, Madrid.

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