terça-feira, 29 de junho de 2010

MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS EM ÁFRICA: GARANTIA DE GOVERNAÇÃO OU VIOLÊNCIA POLÍTICA?


Por: Âmgelo Dramuce e Emílio Jovando

Com o fim da guerra fria, houve o propalar do modelo democrático liberal. Os Estados Africanos, que desde a sua independência foram guiados pelos mesmos presidentes e partidos, viram-se pressionados a implantarem o multipartidarismo. A maioria dos partidos históricos que estavam ligados à luta de libertação contra o regime colonial, confrontados pelas novas realidades e novas forças políticas que lutam pela democracia e maior participação política, acabam mostrando alguma relutância na alternância pacífica do poder. A saída para alguns destes partidos e seus líderes, de modo a que perpetuem no poder, tem sido as mudanças constitucionais. Sendo assim, urge questionar: será que as mudanças constitucionais em África constituem um modelo de garantia de governação ou degenera em violência política?
O processo de descolonização de África começou nos finais dos anos 1950, fruto da união para a libertação colonial, auto-determinação e desenvolvimento económico. Mas, episódios de limpeza étnica, regimes autoritários e ganância na permanência de poder e lutas titânicas no acesso do mesmo, fizeram com que o processo da independência não produzisse os efeitos necessários.

Assim, a luta pelo acesso ao poder tornou-se competitiva entre os seguimentos que tentam aceder ao exercício do mesmo. Para a prevalência da lei e o seu primado, deve haver um conhecimento profundo dela. O primado da lei é sine qua non para garantir a correcta aplicação da mesma e para o alcance da justiça e bem-estar. Uma magistratura e um sistema judicial independente, uma força policial e militar não corruptível e uma aplicação não discriminatória da lei são importantes na boa governação.

Em África, as mudanças constitucionais ocorrem há algum tempo. Elas foram motivadas por vários factores. Dentre os factores desta motivação, podemos encontrar: a instabilidade constitucional motivada pela inconsistência da própria, a intenção de alguns líderes africanos de prolongar o seu mandato (Angola Press, 2009), para ajustar a nova constituição à realidades e desafios actuais, e para criação de novos postos que visam a acomodação das elites políticas, sobretudo depois da violência pós eleitoral.

Segundo Angola Press (2009), África sofreu recentemente mudanças constitucionais de carácter inconstitucional que testemunham um fracasso dos progressos democráticos que o continente negro começava a conhecer. Em Madagáscar, soldados obrigaram Ravalomanana à demissão; jovens oficiais militares assumiram o poder na Guiné Conakry, após morte do presidente Lassana Conté, em Dezembro de 2008. Na Mauritânia, membros da guarda presidencial tomaram efectivamente o poder e opuseram-se à mudança do exército, em 2008. Um golpe de Estado foi perpetuado na Guiné-Bissau contra Nino Vieira, em 2008, e este veio a ser assassinado, após assassinato do chefe de Estado Maior General.

O neopatrimonialismo das elites políticas e os partidos no poder fazem com que estes mostrem muita relutância na alteração pacífica do poder, depois dos processos eleitorais em que os resultados não lhes são favoráveis. Para Bratton (1997), a herança institucional dos partidos africanos históricos na libertação dos Estados influencia a alteração da democracia em oligarquias competitivas. Fatton (1998) diz que a classe política no poder expressa mais o uso da violência do que a sua liderança moral, intelectual e material.

O processo das mudanças constitucionais em África, sustentados por líderes e forças políticas que desejam perpetuar-se no poder, são motivadas pela erosão da legitimidade por parte das autoridades que detêm o poder, processo de modernização que provoca mudanças sociais, políticas, económicas e religiosas, frustração nas expectativas dos cidadãos e privação relativa, degenerando assim em violência estrutural.

Devido a má governação, muitos líderes acabam por enveredar pela violência quando exercem o poder e, deste modo, perdem a legitimidade por mau exercício do poder. Eles forjam e alteram as constituições dos Estados por medo da responsabilização penal nacional (crimes de sangue) e responsabilização internacional, assim como o medo do efeito dominó dessa responsabilidade para com os seus correligionários.

Segundo Hama Thai (1999: 58), “as tentativas de implementação da democracia liberal nos países do Terceiro Mundo culminaram em democracias fechadas, ou em formas autoritárias de governação”, basta recordarmos o caso de Zimbabwe, por exemplo.

As mudanças constitucionais visando a perpetuação do poder têm um carácter de mudança ou alteração constitucional de carácter formal; só depois é que ocorre a mudança material. Este acto erode a legitimidade e legalidade do líder, primeiro porque, os nacionais ou concidadãos, muitas vezes, não toleram esse acto, a não ser em casos de líderes carismáticos; segundo, porque a comunidade internacional e as organizações regionais também o criticam. E os indivíduos que enveredam pela crítica ao regime são considerados persona non grata e alvo a abater, visto que, podem enveredar, manifestações, greves, protestos, sabotagem, paralisações. Para conter a situação, as autoridades detentoras do poder enveredam por actos que, muitas vezes, degeneram em privação relativa ou violência política. Assim, as mudanças constitucionais que visa perpetuar o poder e com intenções obscuras tornam-se um comportamento corruptível e abominável.

Para colmatar e evitar este tipo de mal das mudanças constitucionais tendenciosas, é necessário que as mudanças constitucionais aconteçam para ajustar às novas realidades e desafios jurídicos e constitucionais nacionais e internacionais, sem ferir a própria constituição. Outra saída consistiria em enveredar e optar pela Utopia Negativa de Max Horkeimer (1967) e Theodor Adorno (1947), onde não se pode voltar à tradição objectiva do passado, mas antes destruir o presente por meio de progresso na direcção da utopia, o qual consiste em negar ou renunciar a tudo quanto é inútil, destrutivo e permissivo ao Homem e impede o seu desenvolvimento e progresso. Porque o iluminismo está para as coisas como o ditador para os Homens: os conhece na medida em que se encontra na posição de os manipular. (Abbagnano, 2001:125).

Aconselharia-se aos líderes africanos de modo a não alterar as constituições dos Estados por qualquer razão que fosse, seja por referendo, quando os mandatos consagrados pelas constituições terminem, fraude eleitoral, que pode degenerar em violência pós eleitoral e consequentemente ao Governo de Unidade Nacional, o que fragiliza a unidade nacional e consequentemente a construção de um Estado de direito. Portanto, os líderes desempenham um papel central na consolidação da unidade e identidade nacional, desde o momento que não se deixem levar pela estrutura anárquica dos sistemas políticos e a identidade que os mesmos compõem e apresentam. (Dramuce, 2009:5).

As elites políticas e os líderes dos partidos devem ser carismáticos e pragmáticos; não devem, de modo algum, apoiar questões de sobre valorização racial, étnico tribal e regional, de modo que estas nuances não criem uma estrutura anárquica partidária, porque isto pode constituir elemento divisional que levará a má governação, uma vez que excluirá um certo grupo, e isso pode degenerar em violência estrutural e política e privação relativa.

Os grupos de pressão são fundamentais no processo de governação e na resolução pacífica da violência estrutural e política, de modo que não se altere a constituição inadequadamente ou que a alteração aconteça de acordo com a lei. Estes grupos têm grande influência na pressão exercida aos líderes para que a mudança constitucional tenha aceitação ou para que, em caso de mudança constitucional para a perpetuação do poder, os líderes sejam marginalizados e responsabilizados.

A Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação (2007:2), no seu preâmbulo diz que os Estados da União Africana estão preocupados com as mudanças constitucionais de governo que constituem um das causas essenciais de insegurança, instabilidade, crise e violentos confrontos em África. Os Estados estão determinados a reforçar a boa governação através da institucionalização da transparência, da obrigação de prestação de contas e da democracia participativa.

A União Africana desempenha um papel fundamental na monitoria, persuasão e dissuasão das mudanças constitucionais, sobretudo nos casos em que vise a perpetuação do poder do dia, e nos casos em que recorre-se a inconstitucionalidade para tal.

REFERÊNCIAS

Burton, John (1962) Peace Theory, Preconditions of Desarmament, Knoph, New York.
Bratton, Michel e Van de Walle (1997) Democratic Experiments in Africa: Regime Transitions in Comparative Perspective, New York, Cambridge University.
Hama Thai, Benedito (1999), Sistemas Políticos Contemporâneos, Instituto Superior de Relações Internacionais, Imprensa Universitária, CEGRAF, Maputo.
Azambuja, Darcy (2007), Introdução à Ciência Política, 17ª Edição, 1ª Reimpressão, o, São Paulo.
Miranda, Jorge (2003) Manual de Direito Constitucional – Momentos constitucionais e mudança política, Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa., II,5ª Edição, Coimbra.



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