A geogovernação, ou seja, as propostas, projectos de criação duma espécie de governo mundial, historicamente baseado em ideais de tipo universalista, e apresentados sob as mais diversas formas, no âmbito das Nações Unidas, ou em meios políticos e intelectuais que lhes são mais ou menos próximos, tiveram um renovado impulso com o fim da Guerra Fria. Dentro das múltiplas propostas, projectos de geogovernação oriundas de diversos quadrantes, uma das mais importantes e ambiciosas é a “governação humana” do professor de Direito Internacional da Universidade de Princeton, Richard Falk, que foi o relator da iniciativa para Civilização Global, desenvolvida no âmbito do World Order Models Project (WOMP), um projecto que envolveu diversas personalidades académicas, activistas políticos e jornalistas representantes de diversas sensibilidade religiosas e culturais a nível mundial, desenvolvido durante mais de duas décadas e laureado pela UNESCO com o Prémio da Educação Para a Paz, intitulado On Humane Governance, Toward a New Global Politics (1995).
A governação humana de Falk é, simultaneamente, um processo e um objectivo. No essencial, esta consiste em implementar novas formas de governação à escala mundial, que permitam garantir um conjunto abrangente de direitos de todos os povos da terra, devendo nesta construção, ser dada prioridade aos mais frágeis e objecto de abusos. Esta proposta que pode ser qualificada como imbuída duma visão construtivista, no sentido de Nicholas Onuf (1989) e Alexander Wendt (1999) dão ao termo na disciplina, pressupõe, também, como objectivos, o respeito pela qualidade do ambiente que condiciona a saúde e vida humana e o bem-estar económico e social das populações. Richard Falk acredita também que, por esta via, será possível aumentar o nível de segurança humana, evitar conflitos e estabelecer ordem a nível internacional, com um recurso mínimo a meios de coação e à violência. Segundo este, o que se impõe também é um desmantelamento progressivo das componentes materiais, armamento, e mentais, cultura de violência, do actual sistema geopolítico, as quais favorecem os conflitos, o uso da violência e a guerra.
Na concepção falkiana, a geogovernação não é um processo que envolve somente Estados ou uma entidade de tipo supranacional criada por estes, como nas propostas governação mundial clássica, dos anos 40 e 50 do século XX, mas um processo bastante mais alargado e complexo que envolve uma acção concertada entre actores westifalianos e não westifalianos , do tipo governação global sistémica, para a qual não existe propriamente um modelo pré definido. Apesar deste poder parecer mais um projecto desfasado da realidade da política mundial e da sua complexa teia de interesse, importa notar que Falk tem plena consciência da magnitude do processo e do objectivo que propõe, bem como das dificuldades das tarefas associadas à geogovernação, seja qual for a forma de que esta se possa revestir, não tendo dúvidas em afirmar que é muito improvável que surja algum consenso sobre esta via, bem como sobre as principais características que esta deve apresentar, pelo menos durante os próximos 25 anos..
O que Falk considera fundamental é que exista um progressivo empenho das elites políticas dirigentes nessa via transformadora, ou construtivista, num rótulo mais académico que ele designa por uma janela de oportunidade normativa, e que as elites dirigentes ultrapassem a sua tradicional atitude ideológica e epistemológica favorável ao realismo político, sobretudo em matéria de política externa, a qual só contribui para perpetuar os egoísmos e os conflitos políticos e militares do passado.
A visão construtivista: A Governação Humana e o Governo da Globalidade
Sem comentários:
Enviar um comentário