Já não existem tábuas de leis absolutas. Muitos pensam, depois de Nietzsche, que os conceitos de bem e de mal se estão a desvanecer, tal como a ideia de demónio e de tentação. Muitos pensadores progressistas, hoje, triunfam, mas como que despojados de valores. A realidade ensina a não ser fanáticos, a ser tolerante, racional. Mas ao fazê-lo, aceita um pouco de tudo: o consumismo, a superficialidade da moda, o vazio da televisão. Sobretudo não consegue-se fazer despontar, nos indivíduos, uma chama que vá para além do mero bem-estar, um ideal que supere o horizonte de uma melhor distribuição dos rendimentos. Não criam-se metas, não suscita-se crenças. Não sabe-se fornecer critérios do bem e do mal, do justo e do injusto. Desta forma, tudo se reduz baseando-se na mera opinião e na convivências pessoais.
Isto é que os filósofos, os sociólogos e observadores críticos continuam a dizer do nosso mundo. Não restam dúvidas de que, em boa medida, as suas observações têm fundamento. Mas, em nosso entender, não tomamos em consideração os valores positivos do mundo moderno, a sua moralidade específica, e isso prejudicam-nos. Importa-nos a observação de alguns factos. A nossa sociedade tem muitos valores reconhecidos, partilhados, não discutidos. A sociedade considera negativamente a violência em todas as suas formas. Nenhum Homem moderno pode, hoje em dia, aceitar a ideia de um deus que pune com os tormentos eternos àqueles que não obedecem às sua ordens arbitrárias. No nosso direito, eliminou-se a tortura e procurou-se reduzir ao mínimo os sofrimentos dos culpados. A nossa sociedade eliminou as formas mais brutais de abusos, eliminou o duelo e as vinganças privadas. Combateu as doenças e as dores físicas e mentais. Defendeu as crianças, os velhos e os doentes, protegendo-os com uma rede de direitos. Combateu os preconceitos raciais e as discriminações étnicas. É certo que estas coisas ainda existem, mas são condenadas e combatidas como nunca o foram no passado.
A nossa sociedade favoreceu a ciência, o conhecimento objectivo; difundiu a instrução, procurou estabelecer a equidade social, nivelando as diferenças mais agudas. Tornou-se mais compreensivos das necessidades dos outros, mais amáveis. Fez com que nos tornássemos mais conscientes em relação à natureza, à vida animal, ao nosso próprio planeta. Também não é verdade que não sintamos o dever. Sentimos como drama e dever a pobreza do terceiro mundo. Sabemos que é nosso dever acabar com a miséria, com a fome, com os desgastes provocados pelas doenças entre os povos.
Todos sabemos que é nosso dever dirigir o progresso técnico para um equilíbrio ecológico que garanta à vida às gerações futuras. Não sentimo-nos, de facto, para além do bem e do mal. Talvez sejamos hipócritas, mas damo-nos conta de que os desastres sociais e naturais são produtos do nosso egoísmo individual e colectivo.
In Francesco Alberoni e Salvatore Veca: O Altruísmo e a Moral, Lisboa, Bertrand Editora PP. 11-14.