segunda-feira, 23 de junho de 2008
DA GEOPOLÍTICA À GEOVERNAÇÃO HUMANA DE RICHARD FALK
sexta-feira, 13 de junho de 2008
A NATUREZA DOS FENÓMENOS RELIGIOSOS
Os ritos só podem definir-se e distinguir-se das outras práticas humanas, nomeadamente das práticas morais pela natureza pela natureza especial do seu objecto. Com efeitos uma regra moral prescreve-nos, tal como um rito, maneira de agir, mas que se dirigem a objectos de um género diferente. É portanto o objecto do rito que é preciso caracterizar. Ora, é través da crença que a natureza especial deste se exprime. Só podemos definir o rito após ter definido a crença.
Todas as crenças religiosas conhecidas, quer simples quer complexas, apresentam um mesmo carácter comum: supõem uma classificação das coisas reais ou ideias, que os Homens fazem representações, em duas classes ou géneros apostos, designados geralmente por dois termos distintos que se traduzem bem pelas palavras « profano » e « sagrado ». A divisão do mundo em dois domínios compreendendo, um tudo o que é sagrado, outro que é profano, tal é a característica distintiva do pensamento religioso.
A tradicional oposição entre o bem e o mal nada é ao lado desta: porque o bem e o mal são duas espécies contrárias de um mesmo género, a saber, moral, com a saúde e a doença são apenas dois aspectos diferentes de uma mesma ordem de facto, a vida, enquanto o sagrado e o profano foram sempre, e em toda a parte concebidos pelo espírito humano como géneros separados, como dois mundos entre os quais nada há de comum.
Émili Durkheim: Les formes élémentaires de la religieuse, Paris, P.U.F, Páginas: 50-53.
SECULARIZAÇÃO E RESSACRALIZAÇÃO
Verifica-se que alguns países, embora a população considere-se religiosa e mesmo católica, uma grande maioria a assumir-se como não praticante. A religião proporciona uma reintegração dos indivíduos no todo universal, cosmo ou natureza, essa reunião operacionaliza-se através dos ritos, onde as pessoas dizem-se religiosas mas não praticantes. Temos aqui uma matéria para reflectir bastante. Para compreender este fenómeno de secularização das sociedades é preciso considerar alguns dados da história.
O termo secularização deriva de séculos que é uma palavra que servia para distinguir outrora o Profano do Sagrado, exemplo, havia duas classes de sacerdotes: os Seculares, dedicados à pregação e a evangelização das populações e os Frades ou Monges, de ordens monásticas, que viviam numa espécie de reclusão voluntária, longe do século, dedicados à oração, à meditação e aos estudos. O clero secular vivia no profano, tentando trazer os indivíduos ao sagrado, e o clero monacal vivia num espaço já sagrado convento, mosteiro.
Depois da conversão do imperador Constantino (século II. d.C.) e do cristianismo ser transformado em religião oficial do império Romano, é natural que as atitudes assumidas pelo clero e pela sua hierarquia tivessem grande repercussão nos domínios da actividade das populações do Ocidente, numa subordinação do profano ao sagrado. A igreja intervinha em todos os aspectos da vida profana dos povos.
No entanto, se a Igreja teve uma papel positivo na preservação das ideias humanistas e transformadoras, nem sempre foi eficaz e capaz de acompanhar as transformações do século, entretanto, muitas vezes em conflitos com as novas ideias e aspirações das populações. Houve muita intolerância religiosa que a inquisição, com a sua longa lista de horrores, introduziu na vida quotidiana dos lugares onde esta foi implantada, perseguindo os intelectuais humanistas. A inquisição matou na fogueira milhares de pessoas, outras doentes mentais acusados de possessão demoníaca, astrólogos e videntes dissidentes do pensar chamados hereges e inimigos dos órgãos do poder.
Entre os célebres casos, encontram-se os de Giordano Bruno, monge e filósofo dissente, morto na fogueira, e de Galileu Galilei, encarcerado até ao fim da sua vida por ter defendido o modelo do universo chamado Heliocêntrico, contra o modelo Geocêntrico defendido pelo magistério da Igreja. O século, o profano, reagiu com novas ideias, mais intensamente desde o século XVII, e a modernidade desenvolveu novas concepções e novas propostas de explicação da realidade mais assentes na razão humana que na fé religiosa. Assim, houve um progressivo movimento para a secularização. Tudo isto, acompanhado pelas realizações técnicas de uma indústria nascente, deu origem a uma nova mentalidade que julgava poder substituir o paraíso do céu por um paraíso na terra, no caso do sistema comunista, que defendia a construção de uma sociedade sem classe, onde reinaria a fraternidade e a igualdade, no caso do sistema capitalista, a sociedade de prazer sem limites onde todos os desejos se podiam satisfazer seria o modelo de vida, e isso criou a actual sociedade de consumo.
Assim, abriu-se um conflito entre a religião e a ciência, entre o conservadorismo e a inovação, parecendo que as mentalidades se foram secularizando, tornando-se laicais ou anti-clericais, voltando as costas ao religioso, ao clero, à igreja, aos ritos religiosos, etc., . Os interesses dos indivíduos voltaram-se para aqui e para o agora; a felicidade passou a ser sinónimo de bem-estar material. Entre os pensadores que contribuíram para o debate filosófico em torno da religião encontram-se: Karl Marx (1818-1883); Friedrich Nietzsche (1844-1919); Sigmund Freud (1856-1936), entre outros.
Karl Marx, fundador do materialismo histórico, definiu a religião como sendo o ópio do povo ao afirmar que a religião tinha como função alienar e adormecer as classes trabalhadoras, prometendo-lhes um paraíso como esperança compensadora para as terríveis condições de vida que tinham de suportar. Compreende-se, pois, que Max propusesse uma revolução política e social. Aliás, a Igreja também reagiu à situação através da célebre Encíclica do Papa Leão XII, definindo uma doutrina social da igreja.
Friedrick Nietzsche, acérrimo crítico da filosofia e da religião cristã, que considerava uma ideologia de fracos e de escravos, dizia que o cristianismo estava contra a vida, a natureza. O Homem deveria transformar a sua condição de escravo em super-humano, de home-camelo para homem-leão, libertando-se das cadeias da religião, chamando a si a responsabilidade da sua vida e da sua acção para a “morte de Deus”.
Sigmund Freud, médico psiquiatra, criou um novo método de análises dos fenómenos psicológicos. Após constatar a existência de uma actividade psíquica de natureza inconsciente, afirmou que muitas das criações da nossa mente são disfarces para problemas psicológicos não resolvidos que nos perturbam. Entre estas criações, Freud inclui Deus-Pai que considerou uma projecção da figura do pai biológico e psicológico, negando-lhe portanto qualquer realidade objectiva sobrenatural.
As críticas à religião também vieram do lado da ciência. Devido à dificuldade que a Igreja teve em aceitar as novas propostas de explicação das realidades feitas pelos cientistas, e pela atitude da inquisição relativamente a Galileu e a outros intelectuais e cientistas, sobretudo os teóricos da revolução francesa. A actividade científica criou um prestigio crescente chegando-se a pensar que a nova religião era a ciência e a sua deusa a razão. Nos EUA foi criada uma religião chamada Igreja da Cientologia que transformou Albert Einstein no seu “Santo Principal”.
Tal oposição, religião – ciência, não tem sentido. É claro que o que a ciência sempre combateu não foi a religião mas sim a superstição. Ora, também a religião deve estar interessada em combate-la a mesma superstição. Aparentemente, as pessoas esclarecidas pela divulgação da ciência já não aderem à crenças nem às superstições. Só que o fenómeno levado a cabo em países desenvolvidos revelam que as pessoas: não acreditam na ressurreição de Cristo, mas correm para assistir programas de televisão sobre a comunicação com os mortos; recusam o mistério do divino e do sagrado, mas a série americana X-Files sobre o misterioso e os extraterrestres tem enorme sucesso de audiência; não acreditam em milagres, mas correm a bruxos e bruxas, videntes e adivinhos para conhecer o futuro; ainda mais, a atitude das pessoas nos centros comerciais é a atitude de devoção à mercadoria e busca ansiosa de entrada no paraíso do consumo. E, por exemplo, a respeito dos desportos radicais, o risco de vida que aí existe envolve uma desesperada tentativa de superação de si, de salvação ou redenção de um quotidiano cinzento, revela a busca de um sentido para a existência através da superação da limitada condição humana. Não será que o praticante desses desportos torna-se uma espécie de heróis? Como interpretar tudo isto? Terá Deus morrido, como defendia Nietzsche, ou terão o sagrado e o espiritual ressuscitado, embora à custa da morte das formas tradicionais de religiosidade?
É óbvio que o sucesso profissional, amoroso, financeiro, material, embora necessário, não é suficiente para nos realizar. Parece que assistimos a uma ressacralização do real. Estamos perante, por um lado, a irrupção de movimentos que apelam à tolerância e por outro, a eclosão de conflitos político-sociais provocados por sentimentos de intolerância e fanatismo. Tal parece revelar o renascer de uma profunda espiritualidade sob uma forma laica, a preparação do terreno para a emergência de uma nova flor religiosa.
As permutas existentes nas diversas religiões institucionalizadas, o confronto dos credos, os problemas que se colocam a todas as confissões religiosas, os novos medos: SIDA, Terrorismo, fim do mundo, cataclismo ecológico, etc., que criam uma insatisfação profunda que nos faz sonhar com um novo mestre espiritual capaz de nos ajudar a enfrentar os novos desafios. Se as pessoas não sabem bem quem é Jesus, não vão à missa, e não se reconhecem em muitas das posições da igreja, no entanto aspiram profundamente a uma nova vinda de Cristo.
sábado, 17 de maio de 2008
QUAIS SÃO OS VALORES POSITIVOS CONTEMPORÂNEOS
Já não existem tábuas de leis absolutas. Muitos pensam, depois de Nietzsche, que os conceitos de bem e de mal se estão a desvanecer, tal como a ideia de demónio e de tentação. Muitos pensadores progressistas, hoje, triunfam, mas como que despojados de valores. A realidade ensina a não ser fanáticos, a ser tolerante, racional. Mas ao fazê-lo, aceita um pouco de tudo: o consumismo, a superficialidade da moda, o vazio da televisão. Sobretudo não consegue-se fazer despontar, nos indivíduos, uma chama que vá para além do mero bem-estar, um ideal que supere o horizonte de uma melhor distribuição dos rendimentos. Não criam-se metas, não suscita-se crenças. Não sabe-se fornecer critérios do bem e do mal, do justo e do injusto. Desta forma, tudo se reduz baseando-se na mera opinião e na convivências pessoais.
Isto é que os filósofos, os sociólogos e observadores críticos continuam a dizer do nosso mundo. Não restam dúvidas de que, em boa medida, as suas observações têm fundamento. Mas, em nosso entender, não tomamos em consideração os valores positivos do mundo moderno, a sua moralidade específica, e isso prejudicam-nos. Importa-nos a observação de alguns factos. A nossa sociedade tem muitos valores reconhecidos, partilhados, não discutidos. A sociedade considera negativamente a violência em todas as suas formas. Nenhum Homem moderno pode, hoje em dia, aceitar a ideia de um deus que pune com os tormentos eternos àqueles que não obedecem às sua ordens arbitrárias. No nosso direito, eliminou-se a tortura e procurou-se reduzir ao mínimo os sofrimentos dos culpados. A nossa sociedade eliminou as formas mais brutais de abusos, eliminou o duelo e as vinganças privadas. Combateu as doenças e as dores físicas e mentais. Defendeu as crianças, os velhos e os doentes, protegendo-os com uma rede de direitos. Combateu os preconceitos raciais e as discriminações étnicas. É certo que estas coisas ainda existem, mas são condenadas e combatidas como nunca o foram no passado.
A nossa sociedade favoreceu a ciência, o conhecimento objectivo; difundiu a instrução, procurou estabelecer a equidade social, nivelando as diferenças mais agudas. Tornou-se mais compreensivos das necessidades dos outros, mais amáveis. Fez com que nos tornássemos mais conscientes em relação à natureza, à vida animal, ao nosso próprio planeta. Também não é verdade que não sintamos o dever. Sentimos como drama e dever a pobreza do terceiro mundo. Sabemos que é nosso dever acabar com a miséria, com a fome, com os desgastes provocados pelas doenças entre os povos.
Todos sabemos que é nosso dever dirigir o progresso técnico para um equilíbrio ecológico que garanta à vida às gerações futuras. Não sentimo-nos, de facto, para além do bem e do mal. Talvez sejamos hipócritas, mas damo-nos conta de que os desastres sociais e naturais são produtos do nosso egoísmo individual e colectivo.
In Francesco Alberoni e Salvatore Veca: O Altruísmo e a Moral, Lisboa, Bertrand Editora PP. 11-14.
COMO A CULTURA CONDICIONA O HOMEM
A cultura é coextensiva à humanidade: o facto de ser um ser “cultivado” é, para o Homem, um facto universal. Tal é a única e verdadeira definição de natureza humana: ela somente ascende à sua verdade e a sua realização no seio dum processo cultural. Entra na cultura, ou numa cultura, é assimilar, pouco a pouco, insensivelmente, sem por vezes o saber e o querer, não pedem o nosso consentimento – desde o nosso nascimento, senão desde a nossa concepção, a ordem e as regras dum sistema de valores. Há uma dimensão de passividade, não consciente, mesmo inconsciente, na educação na qual somo ao mesmo tempo sujeitos e objectos, porque ela é, em primeiro lugar, um facto social. Não escolhemos livremente o nosso nome, a nossa língua, o nosso real, as proibições, os valores e preconceitos que vão constituir pouco a pouco o quadro mental da nossa vida.
Toda a cultura é já, neste sentido constrangimento, limitação e formação, obrigação e exigência, aconselhamento e aprendizagem, formas mais ou menos dissimuladas de negação que condiciona toda a determinação. O resultado do que é hábito, o costume, a evidência que nos torna o arbitrário cultural aceitável, conveniente e dirigível. É nesta condição que se pode ser persa, mongol ou francês e aceitar essa condição com orgulho.
A cultura é nos, de qualquer maneira, natural e torna-se o nosso meio de crescimento e de educação. “dizei a um canibal” escreveu Montesquieu , “instruído desde a sua juventude para matar Homens fim de se alimentar da sua carne, que isso é uma acção injusta e que lhe basta voltar a si e procurar na sua consciência uma lei que proíba essa acção, e ele vos responderá ingenuamente que não encontra nada de semelhante e que os seus compatriotas são exactamente como ele. Será em vão que tentareis convencê-los. O exemplo e a educação apoderaram-se do seu espírito e apagaram as impressões naturais, às quais só vós o pretendeis conduzir, e que ele já não é capaz de reconhecer”
Como se efectua essa interiorização dos valores culturais? Que faz uma cultura fabricar os seus sujeitos? Como fazer um persa, um mongol, um francês, mas também um professor, um cortesão, um proletário, um usurário? Fazendo-os estar num sistema de signos e de significações.
Philippe Choulet: Nature et Culture; Paris, Quintette, PP. 37-40
PODE O PENSAR PESSOAL RECUSAR A HISTÓRIA?
Tudo isto não quer dizer que o analista precise abordar a pretensão de pensar pessoalmente. De maneira nenhuma. Ainda que levado pela história do pensamento, o analista é chamado a despertar seu pensamento para uma nova vida. Na análise trata-se sempre de uma experiência e expressão pessoal de riqueza do ser. Mas, é só porque outros nos procederam que nós podemos ver pessoalmente coisas perante as quais seríamos cegos. Se não tivesse existido Platão, a nossa compreensão da totalidade do real e o seu mais profundo significado seria meramente banal, superficial e material. Talvez não experimentássemos a riqueza da totalidade do ser, não a víssemos nem a compreendêssemos como a conhecemos, como a concebemos agora ao pensar critica, analítica e sinteticamente a realidade.
Se não fosse, por exemplo, Santo Agostinho, talvez não percebêssemos o sentido da inquietação no nosso ser no mundo. A Charles Darwin, Karl Max e Singmund Freud todos devemos a nossa vitória sobre o espiritualismo exagerado. Os grandes pensadores do passado falam-nos a fim de nos permitir uma experiência pessoal da realidade, tornando-nos sensíveis à riqueza na sua totalidade do que ela é. Há clássicos entre os filósofos, a saber, aqueles que ninguém toma a pé da letra e com os quais tem a ver cada um que pensa de um modo realmente pessoal, porque a sua visão continua frutuosa e inspiradora.
“Você é cartesiano ou não?”, alguém perguntou certa vez. Aparentemente, a interrogação, em si, parece não tem sentido. Quem poderia permitir não ser cartesiano? Essa frase significa que Descartes não viu nada, como Descartes o foi, mas ele pertence ao número dos clássicos, precisamente porque os que são cartesianos podem permitir isso graças ao seu melhor modo de ver, tornado possível pelo próprio Descartes. Platão, São Tomás de Aquino, Descartes, Max e outros, todos os verdadeiros grandes vivem, dum ou doutro modo, ainda entre todos nós. Eles continuam a falar-nos e a inspirar-nos, não obstante as suas expressões explicitas (...).
Não nos escandalizamos mais com a existência de muitos e contraditórios sistemas. Pouco importa o sistema. O mesmo tem valor é a realidade. E em cada sistema há a expressão de alguma realidade. Todo o pensamento verdadeiramente grande foi atingido por haver captado um determinado aspecto do real.
Todo o pensar pessoal está imbuído num determinado contexto histórico, ideológico, cultural, religioso. O pensar não pode recusar a história.
Acção Humana, Emílio Jovando, 2003
sexta-feira, 16 de maio de 2008
OMC E OS PAÍSES EM VIA DE DESENVOLVIMENTO
Para os PVDs, a OMC é o palco ideal para pressionar os PDs para a liberalização dos respectivos mercados nos sectores que mais lhes interessem. A Agenda para o desenvolvimento de Doha surgiu como uma oportunidade especial de retirar milhões de pessoas da pobreza e criar novas oportunidades económicas para os menos beneficiados e alarga-las para milhões de outras pessoas, através do aumento dos fluxos comerciais de bens e serviços agrícolas e industriais.
Os objectivos da Ronda de Doha, a Ronda do desenvolvimento, foram no sentido do comércio justo e do desenvolvimento. Estes deviam ser pautados pela abolição das barreiras pautais e não pautais ao comércio de bens e serviços. As ajudas financeiras visariam a facilidade do acesso ao mercado, sobretudo, o dos bens agrícolas, para estimular o desenvolvimento através de fluxos comerciais. Os objectivos visavam reduzir os subsídios agrícolas, especialmente dos que distorcem o comércio e PDs abririam mais os seus mercados, uma vez que se manifestou imperioso intensificar o comércio Norte/Sul.
Contudo, a ronda de Doha fracassou e os 145 países, membros da OMC decidiram, em 27 de Julho de 2006, congelar oficialmente as negociações para liberalizar as trocas comerciais, bloqueadas pelas rivalidades, aparentemente intransponíveis, entre as grandes potências económicas. Por isso, torna-se imperioso repensar as regras da OMC tais como, todas as decisões terem de ser tomadas por unanimidade, por isso, teoricamente qualquer membro pode bloquear uma decisão ou a regra do single undertaking, ou seja, “há acordo sobre tudo ou não há acordo sobre nada”.
Junto a isso, é importante cria um novo enquadramento para ajuda técnica ao comércio para os países menos desenvolvidos, para além de procurar propostas específicas sobre o tratamento diferencial especial e melhorar o sistema de resolução de conflitos para que os PVDs os possam utilizar mais facilmente.
Urge uma necessidade de união rápida dos PVDs em prol de políticas autónomas de desenvolvimento, fazendo uso, se for preciso, de políticas proteccionistas que visem um equilíbrio face a competitividade internacional. Uma alternativa para a consecução de tais medidas passa por uma acção coordenada por parte destes países para transfigurar a OMC e a ordem comercial actual.
De certo, a OMC, enquanto palco de resoluções de questões comerciais, justifica a sua existência através de sérios avanços na regulamentação do comércio internacional. No entanto, a neutralidade das suas acções nas questões de inclusão dos PVDs e nos temas de desenvolvimento global, evidencia o isolamento das nações em vias de desenvolvimento, sobretudo, no que refere a sua luta por maior representação e igualdade no comércio internacional.
São principalmente os PVDs que têm maior necessidade de um sistema equitativo e justo, em que possam participar no comércio internacional, tendo como base a maior igualdade possível, a nível de oportunidades. A recomendação da IV Conferência Ministerial da OMC, realizada em Doha (Qatar), é precisamente a de prestar atenção especial às necessidades de desenvolvimento dos países mais pobres, e a OMC tem o dever de cumprir esta recomendação, de modo a que o comércio beneficie os povos, e não apenas os mercados e as economias (PDs).
Aquando da criação da OMC em 1995, a substituir o GATT, os PVDs esperavam que ela se tornasse palco principal para que as suas economias pudessem questionar as barreiras ao seu desenvolvimento. De facto, o Órgão de Solução de Disputas da OMC é um dos únicos tribunais internacionais que podem obrigar os países a seguir suas decisões. Para os PVDs essa seria a oportunidade para finalmente poderem enfrentar os PDs em pé de igualdade, pelo menos diante das regras da OMC.
“Na verdade, os resultados foram mistos para alguns países em desenvolvimento (os mais avançados) e um desastre total para outros (os mais pobres) e o balanço final é claramente negativo, incluindo a redução das opções de modelos de desenvolvimento” Namburete (2005: 83-84).
De facto, seis anos após a criação da OMC (2001), a situação é bastante distinta. Das 220 disputas que foram levadas à OMC apenas 56 foram de iniciativa dos PVDs e nem em todas elas saíram vitoriosos. Pois, como afirmam alguns analistas, “não bastam regras para entrar com um caso contra um país rico. Muitos governos sequer possuem treinamento para actuar na OMC e não contam com verba suficiente para pagar advogados que defendam um caso” Baima (2001:1).
As principais reclamações dos PVDs fase a actuação da OMC têm a ver com algumas regras em vigor na organização que beneficiam os PDs em seu detrimento. Um dos exemplos práticos é o das regras para o financiamento das exportações de produtos industriais que foram elaboradas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), grupo dos países ricos, e que foram apenas importadas para a OMC aquando da sua criação e aos quais os PVDs passaram automaticamente a estar vinculados devido o principio do single undertaking.
Segundo Namburete (2005: 84 -85), a maioria dos PVDs aderiu aos acordos da OMC de boa-fé, acreditando nas promessas de apoio dos parceiros mais desenvolvidos. Ao aceitar estes acordos sem terem participado activa e conscientemente na sua elaboração ou negociação, os PVDs abriram o caminho para a sua própria marginalização. Hoje, não lhes resta outra alternativa senão permanecer e lutar pelos seus interesses a partir de dentro da Organização pois, durante a Ronda do Uruguai (1994), a OMC criou mecanismos tais que constituem garantias de que mesmo que num país haja mudança de governo tais políticas não possam ser alteradas. É justamente aqui onde reside a génese da marginalização dos PVDs na OMC.